O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

26 de Abril

A 25 de Abril celebramos a liberdade. Pela primeira vez em muitos anos, saímos à rua sem medo. Éramos homens e mulheres livres e nessa noite sonhávamos homens e mulheres novos porque nasceriam livres.


A 25 de Abril celebramos a liberdade. Uma liberdade cuja consciência prática, alicerçada nas limitações experimentadas quotidianamente por homens e mulheres, motivou o apoio popular massivo ao golpe de Estado de há 35 anos. Uma liberdade que nos dignifica enquanto seres humanos, inerentemente falível, mas cujo propósito principal consiste na aventura maravilhosa que seria tentar construí-la juntos. Uma liberdade de todos.


A 25 de Abril celebramos a liberdade. E é inegável que, passado todo este tempo, o admirável Portugal novo se vê confrontado com os mesmos vícios autoritários, intolerâncias culturais e estratificações sociais do tempo da ditadura. Confesso alguma dificuldade em falar da data em si, que não vivi, e dos acontecimentos “políticos” que se lhe seguiram, cujas implicações era demasiado novo para compreender. Conheço a História, ou pelo menos a parte que não submergiu na turbulência daqueles tempos, e cresci sempre com a sensação de que tudo aquilo era um assunto arrumado, um daqueles momentos embaraçosos que ninguém na família tem muito interesse em remexer.


Pois todos sabemos que a liberdade apregoada não é mais do que uma pálida imagem da outrora sonhada. Apresenta-se como uma espécie de valor adquirido e inquestionável, mas apenas porque é fundador de uma determinada visão do mundo e da sociedade. É a liberdade do mercado e da mercadoria, uma liberdade estilhaçada em milhares de fragmentos concorrentes e mutuamente exclusivos. No geral, está garantida quando ”vivemos” empacotados nas periferias de grandes cidades, sujeitos a ambientes, ritmos e estilos de vida desumanos, constantemente empurrados para criar um futuro que receamos, numa busca incessante por inúmeras coisas imprescindíveis, que não temos tempo para pensar se de facto queremos, mas entre as quais podemos, sem dúvida, escolher “livremente”.


A 25 de Abril celebramos a liberdade. Os arautos desta democracia comemoram a data de forma quase religiosa – com locais sagrados, galerias de santos e retórica de fé, o que devia ser suficiente para nos pôr de sobreaviso. E quem, por estes dias, ousar passear-se por uma dessas manifestações oficiais, e prestar atenção às pessoas mais do que às palavras, não pode deixar de notar que nada, daquela primeira faísca libertária que fez tantos acorrer à rua para apoiar os que afrontavam a velha ordem e o velho mundo, se vislumbra agora entre os que o rodeiam. Une-os apenas uma sensação estranha mas nítida de mágoa, um sentimento de perda, de traição, como se aquilo porque tanto lutamos e sofremos se tivesse virado contra nós próprios, no fim.


Porque a 25 de Abril celebramos a liberdade. E na manhã de 26 acordamos presos outra vez.


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