O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Organiza a tua raiva!

Squat Meet'09

A notícia anunciava “cabaré na casa okupada”. Ainda no início, cita “uma ex-jornalista, agora okupa”. Para de seguida corrigir: “Mas esta okupação é diferente”. Também era diferente o acordo apalavrado para a CasaViva aceitar a reportagem a que o jornalista da actualidade aspirava. O rapaz apresentou-se como baixista de uma banda que já tocara na casa, como participante da génese de uma okupa a sul, acabara, entretanto, o curso de jornalismo, vivia em Lisboa e estagiava num jornal novo, queria contrariar o estigma social quanto aos okupas, respectivo movimento e forma de estar. “Mas olha que a CasaViva é uma okupa consentida!” Ele não sabia (ainda que conste na informação disponível na internet) mas manteve o interesse pela reportagem. E o pessoal da CasaViva acabou por aceder, se bem que houvesse relutantes.


Não podiam estar mais certos. Dizia o rapaz que queria desmistificar a antipatia pelos okupas, no entanto não teve qualquer pejo em estereotipar a ficha do okupa, com pormenores quase sórdidos: como veste e se penteia ou não, com quem anda, o que come, quantos cães tem, num destaque, em espaço privilegiado, a acompanhar a suposta reportagem, que seria simpática se não mentisse, ao confundir informação. E desrespeitosa do pretendido anonimato pessoal exigido. Até mesmo conflituosa, relativamente à relação entre o pessoal da casa e os proprietários da mesma. Mas isso nem interessa aqui. A reportagem só interessa aqui enquanto exemplo do preconceito, descontando erros de profissionalismo.


Há indiscutivelmente preconceito em relação aos okupas. E há um sentimento de posse danado, e muito desconfiado, em relação à propriedade por parte de quem a detém. No Porto, pelo menos, onde nos encontramos, o que é extensível ao país. Se é verdade que o Porto se está a afundar em casas devolutas, também não é falso que quem as ocupa são sobretudo agarrados, em busca de um espaço para chutar, dormir e cagar. Um problema que se desvia do objectivo deste texto, mas que não pode deixar de ser referido quando falamos de okupas e okupações. Também não foi esse o tipo de okupa estereotipado pelo jovem jornalista.


Diz na wikipédia: “Okupa é um termo libertário derivado da palavra ocupação, sendo que seu equivalente na língua inglesa é squat. O termo faz referência especificamente ao acto de ocupar um espaço ou construção, abandonada ou desabitada, sem permissão de seus proprietários legais, não para transformá-lo numa propriedade privada, a ser alugada ou vendida, mas com o objectivo de criar uma esfera de sociabilidade e vivência libertária. Para os contrários ao movimento, tais ocupações nada mais são que invasões de propriedade”. Correcto!


A CasaViva foi um achado. Um espaço devoluto cujos proprietários estavam disponíveis a emprestar temporariamente (enquanto fecha e não fecha o processo de partilhas e a casa se vende) para um projecto sem fins habitacionais e sim para abrir à cidade, com intenção de provocar e acolher outros projectos das mais diversas áreas, preferencialmente diferentes, que se desviem de ideias feitas. De acesso livre. Não demorou a enveredar por um caminho tendenciosamente anti-capitalista, demarcadamente apartidário e com pretensões activistas. O que transcende o espaço. O espaço em si funciona sob esses princípios. Até ver, e desde Abril de 2006, na praça marquês de pombal, 167, porto, mediante contrato de comodato. Um empréstimo que tem como prazo o prazo que os proprietários queiram, com pré-aviso de um mês para deixar a casa. O documento diz especificamente o fim a que o imóvel se destina – projecto CasaViva, sem fins lucrativos – e as contrapartidas a retribuir pelos comodatários: zelar pelo edifício, melhorá-lo, se possível. O tal jornalista da deturpada reportagem diz que chamamos ao modelo “a okupação do futuro”. Talvez nenhum de nós, dos três ou quatro que falaram com ele (da dezena mais directamente envolvida com a CasaViva), tenha dito exactamente isso, mas o rapaz quis que sim. E até nem parece absurdo de todo. O perigo do slogan é que cheira a especulação imobiliária, e o objectivo do projecto é exactamente o contrário. A ideia é expandir o conceito para outros espaços da cidade: motivar grupos de pessoas com afinidades a estruturarem um projecto de reabilitação de um imóvel e convencerem os respectivos proprietários de que isso é possível. Ainda não aconteceu, que saibamos. Talvez em breve.


Mas há outros espaços no Porto que funcionam numa outra relação com a propriedade mas com imensas afinidades: Musas, Terra Viva, Casa da Horta, Gato Vadio, com os quais quisemos partilhar a resposta ao apelo para um Squat Meet 09 squatmeet09.wordpress.com, 18 e 19 de Setembro. Já num fim-de-semana de Abril de 2008 nos juntamos numa resposta semelhante, se bem que muito diferente da actual. Em vez de um fim-de-semana de acção directa, desta vez optamos por um encontro de troca de ideias e projecção de acções. Exactamente com vista a atingir o desafio: Organiza a tua raiva!


Dizem os números oficiais que no centro histórico do Porto, classificado Património da Humanidade, há 293 edifícios devolutos e 591 com ocupação parcial, de um universo de 1796. Sabemos que fora desse limite há muitos mais, mas estes chegam. Organiza-te e Okupa!

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