O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

sábado, 4 de agosto de 2007

O G8 come tudo, tudo, tudo. A UE come tudo o que puder. A polícia acha que ainda bate pouco. A verdade é que o mundo está a morrer...


A Europa totalitária revela-se
Nos inícios de Junho, não te deve ter passado despercebido mais uma cena de manifestantes à porrada com a polícia. Porque foi isso que os média transmitiram... mais uma cena de manifestantes à porrada com a polícia. Talvez já não te lembres, até porque não está previsto que te lembres, mas, desta vez, tratava-se de manifestantes anti-G8 e de polícias alemães. Os primeiros são violentos. Os segundos, coitados, cumprem a sua função.
Isto foi-nos dito pelas televisões, pelos jornais, pelas rádios. De forma a ser repetido nas mesas e balcões de café, até ficar enraizado. Os média empresariais não se inibiram, mais uma vez, de mentir, ocultar, deturpar. Não me parece, mas talvez tudo não tenha passado de distracção, preguiça, enfim, mau jornalismo, daquele que não presencia os acontecimentos e interpreta a versão policial como a verdade, sem se dar ao trabalho de tentar sequer saber se, ao menos, existe outra versão.
Os resultados deste tipo de jornalismo fizeram-se sentir mal os primeiros confrontos sérios aconteceram, no dia 2 de Junho. Os membros do Black Bloc, apresentado como uma seita de destruição, tinham-se atirado, como cães, aos agentes da autoridade, que não puderam senão defender-se. Essa foi a estória da polícia. Essa foi, também, a história nos média. Aparentemente, ninguém se apercebeu, ou quis dizer, que há vídeos que demonstram que a legítima defesa funcionou ao contrário e que tiveram que ser os manifestantes a defender-se dos ataques policiais.
Naqueles dias, haveria centenas de jornalistas na zona. Que nos tenha chegado eco em português, nenhum reparou, ou quis dizer, que, durante bem mais do que uma semana, a maior operação alemã de segurança do pós segunda guerra mundial transformou o país, e aquela zona em particular, num local quase hitleriano, onde as rusgas por motivos políticos, o aprisionamento temporário de pessoas com vista à recolha dos seus dados e revista e as detenções arbitrárias eram o pão nosso de cada dia. E, acima de tudo, caros amigos, acima de tudo, nenhum jornalista desses que se dizem dos “meios de comunicação social” reparou, ou quis dizer, que nem um único delegado do G8 conseguiu entrar por terra no local da reunião. Todos os acessos terrestres foram bloqueados por milhares de manifestantes que se opõem às ideias que o G8 tem para o mundo. Reparem... nem um único delegado do G8 conseguiu entrar por terra no local da reunião. A organização teve que se desenrascar com meios aéreos e marítimos. Mesmo assim, houve delegados que nunca chegaram a participar na cimeira. Um feito inspirador para uns, um acto ignóbil de sabotagem para outros, mas, para todos, creio, um facto merecedor de nota, nem que fosse de rodapé, uma frase perdida num parágrafo, uma palavra, uma sílaba, uma letra...
Bloqueio, meus caros. Bloqueio, transformação duma estância turística onde não queriam que ninguém entrasse numa prisão de onde não conseguiam sair. E ninguém reparou? Nem os jornalistas que tiveram que entrar por ar ou por água? Será que os tais profissionais dos “meios de comunicação social” viram tudo isto e, eles próprios ou o critério editorial que os enforma, decidiram não nos dizer nada?
Na minha terrinha, olhe-se por onde se olhar, isto só tem um nome: Censura!

Mas afinal o que é o G8?
O G8 é constituído pelos governos dos 7 países mais ricos do mundo – Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão, Reino Unido – mais a Rússia. Os líderes destes governos reúnem-se todos os anos, nas chamadas “Cimeiras do G8” para coordenar as políticas relacionadas com a economia e a segurança internacionais.
O G8 é uma instituição sem legitimidade. No entanto, como auto-proclamado governo mundial informal, toma decisões que afectam toda a humanidade. As suas políticas pretendem uma globalização neo-liberal, desregulação e políticas económicas orientadas para o retorno do capital dos investidores e empresas internacionais.
Estas políticas são apresentadas como a solução para uma variedade enorme de problemas globais, da pobreza à destruição ambiental, mas acabam por ter o efeito de fortalecer um sistema económico internacional no qual os países do G8 têm a maioria do poder e da riqueza, num mundo em que a pobreza extrema mata mais de 18 milhões de pessoas todos os anos. Cinquenta mil por dia. Duas mil e cinquenta e cinco por hora ou, mais simplesmente, trinta e cinco indivíduos por cada minuto que passa.
Ao mesmo tempo, as taxas de produtividade mundiais nunca foram tão altas. Há toneladas de comida a serem destruídas ou deitadas fora todos os dias.
O propósito fundamental do G8 é a promoção da liberalização de todo o tipo de sectores. Como consequência, tem-se assistido a um ritmo brutal de privatizações de serviços públicos como a saúde, a educação, a água ou a electricidade. Não é raro que isto conduza a um acesso mais restrito a este tipo de serviços. A pobreza aumenta, assim, não só nos países já oficialmente pobres mas também no mundo industrializado.
Apesar de não ter poder formal, o G8 detém, através dos seus membros, 50% dos votos no Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial e tem grande influência na Organização Mundial de Comércio (OMC). Quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) são membros do G8, que, assim, pode vetar qualquer resolução. Ou seja, não há grandes hipóteses de se levar a efeito qualquer decisão contrária à vontade do G8, nem que seja tomada pela maioria das pessoas ou dos governos do mundo.

A presidência portuguesa da UE
A presidência portuguesa da União Europeia (UE) zelará para que as políticas definidas pelo G8 sejam aplicadas no espaço comunitário. É tão apenas disso que se trata. Os enormemente poderosos definem as regras e os vários poderes subsequentes tratam de as aplicar na prática, no concreto, no quotidiano. Aos média caberá, ainda e sempre, a função de legitimar essas decisões, transmitir as regras como normas lógicas e coerentes, encostar a um canto escuro ou ludicamente iluminado toda a dissidência.
Portugal dará o seu contributo, independentemente da retórica, para que a Europa Social, que nunca foi uma realidade, desapareça até como ideia. O objectivo é que o conceito de eficiência se confunda com o de rentabilidade e se afaste definitivamente do de justiça ou do de universalidade.
Promoverá uma agenda securitária que anule cada vez mais liberdades civis, contribuindo, de facto, para que a excepção se torne na regra, de forma a que a UE seja um conjunto de países em estado de sítio permanente cuja população ajude a tratar como crime de alta traição qualquer esboço de contestação.
Sócrates brilhará ao dar um empurrão decisivo para a aprovação do tratado constitucional da União, demonstrando, se tal fosse ainda necessário, que o que os cidadãos pensam não tem a mínima relevância quando a agenda tem que ser cumprida.
Os lusitanos aproveitarão o seu enquadramento histórico para facilitarem a entrada da UE no mercado africano, agora que a China, um dos grandes concorrentes mundiais do bloco europeu, se implanta por lá a todo o vapor. Algum dos blocos pensará, por um segundo que seja, nos africanos? Não creio.
O executivo do PS, ajudará a impor condições de trabalho cada vez menos humanizadas, abrindo ainda mais portas para a chegada desse amanhã que canta, onde todos seremos flexíveis a todos os níveis, onde as relações pessoais duradoiras sejam impossíveis, onde as pessoas deixem de ser “quem” e passem a um “aquilo”, meras peças amovíveis da grande máquina de fazer dinheiro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado pelo texto. Estive no G8 em Heiligendamm com mais 9 portugueses.
Acrescento a falta de policiamento por parte da polícia - apesar de ter sido pessoalmente revistado 3 vezes, jamais me foi pedido qualquer identificação.

O pessoal que foi escreveu alguns textos relativos ao evento - estes encontram-se tanto na Indymedia - Portugal, como na Indymedia - Alemanha. Uma procura consegue encontrar esse material num instante.

Abraços e continuação de bons trabalhos.

RJA