Quando a ecologia e a economia colidem
As campanhas de sensibilização e as obras que têm permitido uma poupança considerável de água podem parecer, assim à primeira vista, com aquele olhar ingénuo de quem não sabe muito bem onde vive, uma coisa boa. Visto desta forma, sabendo que, em dois anos, de 2005 a 2007, se deixaram de gastar cerca de 6 milhões de metros cúbicos, poder-nos-íamos sentir tentados a exultar de alegria.
Puro engano. Esses seis milhões de metros cúbicos não foram poupados. Deixaram de ser vendidos! E as empresas, sim senhor, têm cartazes azuis e preocupações verdes, mas andam aqui para prosperar e, não tendo nada contra a poupança dos seus clientes, preocupam-se sobretudo com as quebras de receitas.
Vai daí, a Águas do Douro e Paiva (AdDP) decidiu aumentar o preço da água em 8,1%, a sentir já nas facturas de 2008 por todos os clientes dos 18 concelhos abastecidos por esta empresa.
Rui Rio, o querido líder de um dos maiores compradores da AdDP, achou o aumento “uma barbaridade”. Mais tarde, à saída de uma reunião extraordinária que juntou os 14 municípios da Junta Metropolitana do Porto, chegou a afirmar que “empresas de distribuição de água como a AdDP não devem ser empresas altamente lucrativas”.
E eis que dou por mim triste, não tanto pela brutalidade do aumento dum bem tão essencial, não tanto pela sua justificação surreal, mas por ter, por uma vez que seja, de estar de acordo com Rui Rio. Um de nós anda, decerto, avariado.
Ora, vendem-nos a pastilha de que só através de empresas é que os serviços conseguem ser fornecidos em condições satisfatórias, que só através da empresarialização do mundo é que os seus habitantes poderão aspirar a alguma felicidade. Depois, quando as coisas correm um bocado para o torto, querem-se colocar entraves ao mercado, penalizar os accionistas da empresa, sempre tão louvados, colocá-la num patamar semelhante ao do Estado, onde o lucro não deve ser o móbil principal do fornecimento de um serviço.
Se a proposta aparecesse noutra altura ou vinda de outro lado, não faltariam palavras sobre a obsolescência de tal discurso. Mas, afinal, parece que a competitividade já não é o bem supremo, parece que a satisfação dos accionistas não é já a razão principal para a boa gestão, quase que podemos acreditar que, afinal, o crescimento das empresas não anda de mão dada com a melhoria das condições de vida.
As razões para nos opormos à privatização dos bens e serviços públicos não estão em “livros bolorentos” nem em “ideologias passadistas”. Aparecem-nos em casa.
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