O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Festa de Herodes

pela Vintena Vadia

Às 23h11, fez-se silêncio e apagaram-se as luzes. As palmas demoraram a arrancar mas multiplicaram-se enérgicas. Era a última representação de Salomé, de Oscar Wilde, na CasaViva, pela primeira vez palco de teatro assumido. Pelos amadores da Vintena Vadia, numa encenação de Elisabeth Schuster. Oito noites em cena, entre 12 e 21 de Outubro. O espectáculo, de acesso gratuito, foi apreciado por perto de 250 pessoas. Outras não puderam assistir, porque a lotação era limitada a pouco mais de 30 espectadores por representação.

Herodes, rei da província da Judeia, oferece uma festa à sua corte feminina e, perante o olhar de todos, assedia continuamente a sua enteada Salomé. Esta vinga-se dele e do seu mundo decadente, tomando-lhe o brinquedo preferido: a profetisa judia Iokanaan, que aquele mantém prisioneira. Salomé dança para o libidinoso rei e, em contrapartida, obriga-o, publicamente, a oferecer-lhe tudo o que ela quiser. Salomé vê assim a cabeça de Iokanaan ser-lhe servida numa bandeja de prata. Mas esta humilhação de Herodes tornar-se-á a fatalidade de Salomé.
Esta a história em sete actos. Um actor e 11 actrizes em cena percorrem a casa durante hora e meia, o público atrás, conduzido por guardas de Herodes. Do jardim, escadaria acima até ao varandim sob a clarabóia, passando pela penumbra do corredor do rés-do-chão, transformado em prisão, e pela bem iluminada sala grande, palco do manjar. Os espectadores são convidados da festa simulada pela cenografia, adereços e figurinos, pela música. E, claro, pela interpretação dos actores, pela energia que transmitem numa história dramaticamente empolgante.

“O espectáculo cresceu muito”, comentava, no final da última representação, um actor profissional, que também assistiu à estreia. Foi uma grande produção, envolveu uma equipa de 19 pessoas. Uma “fantástica produção com gente amorosa, que trabalhou sem dinheiro, apenas por idealismo e com muita coragem”, como haveria de dizer Lisa, a encenadora, oriunda da Alemanha. “Quando vi o interior da CasaViva, apaixonei-me imediatamente pela ideia de usar a casa como palco para a peça”, comentara em Maio, antes de começarem os ensaios. Apesar dos seus jovens 24 anos, Salomé foi a sétima encenação de Lisa.
Há anos que Lisa queria encenar Salomé. A peça veio-lhe de imediato à ideia quando conheceu o grupo de teatro Vintena Vadia, com tantas actrizes. À excepção de Herodes, todas as outras personagens se transformaram em mulheres, “to creat a one man-leaded female, violent and decadent world”. Cortou algumas personagens e pequenas cenas e seguiu o texto original.
Foi a primeira encenação de Elisabeth Schuster com a Vintena Vadia. “Aprendemos muito com a Lisa, ela foi uma grande ajuda para o grupo a nível de aprendizagem, profissionalismo, disciplina”, dizem os actores. O grupo, formado por finalistas de um curso livre de teatro na ESMAE, foi oficialmente constituído como associação cultural sem fins lucrativos há dois anos. Até agora, só haviam representado textos portugueses, encenados por Nuno Meireles, convidado mas que entretanto se afastou por compromissos profissionais.

Salomé absorveu o grupo durante mais de três meses. Convidaram técnicos e o espectáculo aconteceu. Acabou, ao fim de oito representações. Ficou a vontade de repetir, na CasaViva ou numa casa parecida. E há tantas no Porto que não se arrendam nem se vendem e que podiam estar vivas, a exemplo do nº 167 da praça do marquês de pombal, há ano e meio cedida à colectividade pelos proprietários, enquanto aguarda comprador. Cedida para um projecto plural, interventivo e gratuito, que a reanima e reabilita.


ficha técnica
Salomé
, de Oscar Wilde
Pela Vintena Vadia – Grupo de Teatro
Encenação: Elisabeth Schuster
Interpretação: Aljusto, Andreia Mota, Ana Campos, Avelina Vieira, Carla Guedes, Cristina Freitas, Isadora Fevereiro, Luísa Barbosa, Maria José Gonçalves, Paula Dias, Rita Figueiredo, Virgínia Silva
Cenografia: Jonas Ribeiro e Fernanda Macedo
Desenho de luz: Augusto Ramalhão
Figurinos: Alice Assal
Compositor: Pedro Junqueira Maia
Músico: Carlos Lima-Sitar

1 comentário:

Anónimo disse...

venham mais umas quantas... fiquei muito curiosa com a peça e a sua interacção com a casa....

descansem um pouco mas que venham mais umas quantas.....

e outras que lhe sigam..

bem haja!