O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

domingo, 9 de dezembro de 2007

A nossa vingança é sermos felizes

Alambique já destila

Se a CasaViva tivesse rosto, teria corado quando ouviu dizer que as conversas promovidas pelo CCA conseguem reunir 20 a 30 pessoas no Clube Aljustrelense, em Aljustrel, Baixo Alentejo. No Porto, uma conversa anunciada na CasaViva dificilmente atrai uma dezena de pessoas. Como aconteceu no sábado, dia 6 de Outubro, a propósito do lançamento de Alambique.

Alambique é uma nova publicação, confeccionada pelo Centro de Cultura Anarquista (CCA) Gonçalves Correia, em Aljustrel, e que reflecte o seu primeiro ano de actividade no Clube Aljustrelense, onde o projecto assentou arraiais. “A necessidade de dar a conhecer o que fazemos, de sair portas fora tornou-se ao longo deste tempo algo imperativo. Não apenas com vista a um alcance maior, mas para quebrar com a passividade de nos fecharmos num getho, numa tribo, com os mesmos de sempre”, lê-se no editorial, que termina assim: “Nesta nossa (des)construção afirmamos não apenas a crítica ao insaciável capitalismo e autoritarismo que nos rodeia. Queremos também, informal e livremente, que a nossa festa e o nosso companheirismo não seja a alienação que nos querem impor, mas a revolta com que queremos aprender a viver”.

O anarquismo é tema de seis das 20 páginas de Alambique (formato A4, p/b). Duas a fechar, dedicadas a António Gonçalves Correia (1886-1967), cuja vida se cruza e se funde com o emancipar das ideias anarquistas, com as lutas anarco-sindicalistas das minas de Aljustrel, São Domingos ou Lousal, com as lutas dos camponeses do Alto ao Baixo Alentejo e com os vários grupos e jornais anarquistas de Portalegre, Évora, Odemira ou Cercal do Alentejo. Caixeiro viajante, vegetariano e tolstoiano, a sua figura perdura ainda na memória de muitos alentejanos.
As outras quatro páginas a propósito do anarquismo foram retiradas de “Days of War, Nights of Love. Crimethink for Beginners”, 2001 CrimethInc Collective (USA), e correspondem a um artigo intitulado “Ressuscitando o anarquismo como uma abordagem pessoal à vida”, que desmistifica os fantasmas que o tema ainda desperta, com afirmações tão simples quanto a seguinte: “Na nossa vida diária, somos todos anarquistas. Sempre que tomamos decisões por nós mesmos, sempre que assumimos a responsabilidade pelos nossos actos em vez de os deferir a algum poder superior, estamos a pôr o anarquismo em prática.”

Os transgénicos são outro tema que se desdobra em outros dois artigos: um em defesa da acção directa do movimento Verde Eufémia, em Silves; e uma entrevista a Fernando, da Colher Para Semear, Rede Portuguesa de Variedades Tradicionais, em que, entre outras questões, são referidos os malefícios para a saúde consequentes do consumo de transgénicos.
A repressão policial sobre manifestantes anti-fascistas no 25 de Abril de 2007, em Lisboa, merece também a atenção especial de Alambique: “os dias não estão para a inércia”. Por isso mesmo, a contestação da indústria do medo que é a guerra e a manipulação de informação, registando dois debates ocorridos no Clube Aljustrelense: um sobre o assassinato do repórter de imagem espanhol José Couso, em Bagdad, logo após a invasão do exército dos EUA; outro sobre o terrorismo de Estado na Rússia e a guerra na Tchetchénia. Dois assuntos que também passaram pela CasaViva.
Dos temas abordados, falta apenas referir “Em frente pela porta das traseiras”, peça do grupo de teatro algarvio te-Atrito em homenagem a Jacques Prévert (1900-1977), cuja representação foi um sucesso no Clube Aljustrelense. Um trabalho encenado por Rita Neves, interpretado por Leonor Macedo e Pedro Monteiro e musicado por Igor Martins. O público ocorreu de tal maneira que houve quem ficasse à porta sem lugar para assistir ao espectáculo.

Quando haverá um outro espectáculo no Clube Aljustrelense ou quando sairá um novo número de Alambique são incógnitas à data. A única certeza é que o CCA Gonçalves Correia quer continuar a fazer jus ao nome que escolheu e assim “estreitar as afinidades libertárias e procurar divulgar através de várias iniciativas públicas e abertas a todos diversas questões e problemas que combatam a apatia, o medo e o conformismo que nos sufoca e dêem viva voz ao protesto social”.

www.goncalvescorreia.blogspot.com

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