O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Levanta-te e faz-te ouvir

Mas fá-lo todos os dias. Assume que tens aceitado diariamente ser nada mais do que o espectador silencioso dum teatro de má qualidade montado para te entreter e cobrar chorudos lucros de bilheteira e não para fazer bom teatro. Reapropria-te da tua coluna vertebral. Porque tu sabes que é assim, toma o teatro, que ele também te pertence. Vaia os canastrões. Não precisas de armas nem de grande barulho. Simplesmente, levanta-te e faz-te ouvir. De espectador silencioso, passa a espectador, actor, encenador, dramaturgo... dum teatro do Caminho, não da Chegada, dum teatro que reflicta sobre si mesmo como instrumento da mudança, em vez de perpetuar o mal no sonho hipnótico de quem assiste passivamente.

São os media corporativos que te oprimem com a sua desinformação? Torna-te nos media alternativos. Sabes que as informações que te transmitem são falsas e manipuladoras? Desmascara-as, ri-te delas, proclama a tua verdade.

Tens medo de falar? Achas que, pessoalmente, vais tendo o suficiente e que, se deres nas vistas como dissidente, podes prejudicar-te e à tua família, cercear as tuas oportunidades de emprego e promoção e que as coisas, para ti, até nem estão assim tão más? Não te esqueças do que disse Brecht e que foi o que possibilitou o holocausto na Alemanha – se a coisa te vier bater à porta, depois pode não haver mais ninguém para falar por ti.

Achas normal que os mesmos que te condenam a salários congelados ou em atraso, ou salários com os quais não consegues pagar o débito mensal à banca, que no fundo é uma renda barata de casa, que não te chegam ao fim do mês, trabalho casa, casa trabalho e sempre a poupar e nem falo dos subsídios da doença ou da deficiência, para não me enervar, salários que estão na cauda do leque salarial europeu, aufiram rendimentos mensais astronómicos, acoplados a grandes reformas antecipadas e auto-concedidas, falo de políticos, de gestores, de empresários? Achas admissíveis estes dois pesos e duas medidas para a necessidade e a justiça? Quando lês que "Pai perdoa a filho 12,5 milhões de euros", isto não te passa um atestado de carneiro num sistema cuja injustiça atingiu as raias do absurdo?

Consideras que a democracia representativa, em que te dizem que vives, há muito deixou de ser democracia, de te ouvir e que, impávida como um robot programado de longe, avança a passos cegos e firmes para desmantelar todas as estruturas sociais, que se orientavam no sentido de vir a garantir trabalho, saúde, educação, habitação em igualdade de oportunidade para todos, para entregar tachos lucrativos aos privados nascidos ao sol duma classe de eleitos? Não te indigna profundamente que se sirvam dos teus impostos para financiar cimeiras para planear mais negociatas entre grandes accionistas e os políticos testas de ferro, defendidas por milhares de polícias de choque contra os que ousam levantar-se e protestar?

Aceitas como um facto consumado que a democracia representativa te usa para se justificar a si mesma deixando-te escolher entre a bosta e o excremento, entre o fogo e a frigideira, entre o mau e mais do mesmo? Que te promete reduções nos impostos, redução do desemprego e a tua participação democrática em referendos de importância vital e depois te trata como uma criança que não sabe o que quer, manda os teus filhos sem outra alternativa de emprego para a guerra contra a tua vontade, assina tratados à tua revelia e fomenta as deslocalizações de empresas, o desemprego e os teus baixos salários para favorecer a banca e o negócio multinacionais?

Achas suportável um verão que é inverno, um outono que é primavera, um horizonte onde agora a qualquer momento pode aparecer um tsunami, uma tromba de água, uma enxurrada de lama, um céu donde chovam pedras de granizo do tamanho de ovos de avestruz e uma terra que treme cada vez mais em todo o lado? Gostas de ver os oceanos a subir, as espécies animais a extinguir-se a grande velocidade, a herança biológica da nossa agricultura ancestral a ser dizimada por sementes predadoras para alimentar os lucros duma única multinacional e a herança do pesadelo que vais deixar aos teus netos marcada pela vergonha da tua inacção?

Acredita, não é para encher a tua carteira cada vez mais magra que os senhores da guerra e da indústria se mostram incapazes de organizar efectivamente a redução das emissões de gases e poluentes, ou de admitir em consciência e responsabilidade que os transgénicos não são uma solução, são apenas negócio para alguns, morte para a biodiversidade vegetal, aumento do uso de pesticidas e um risco imponderável para a tua saúde.

Estão demasiado ocupados a espalhar fósforo branco, urânio empobrecido, minas, químicos e vírus perigosos nos países que mantêm religiosamente como terceiro mundo através dos torniquetes ao desenvolvimento que são o FMI e a guerra.

Deixaste de te sentir no direito de considerar as conquistas da tecnologia para reduzir o trabalho humano como um bem da humanidade e o direito ao trabalho como um direito básico, inalienável e só sustentável pela redução dos horários de trabalho de todos e por uma divisão mais equitativa dos lucros através de salários para mais gente? Já te perguntaste como é que isso aconteceu?

Um mundo "civilizado"onde a maioria das pessoas precisa dum comprimido para adormecer, outro para acordar e outro para andar contente durante o dia, está muito doente. Pensas nos teus filhos à mercê do abuso do álcool e das drogas, nos rios e rios de gente quimicamente alienada para adaptar-se ao insuportável? Ou para alimentar negócios que são minas de ouro, tanto os legais como os ilegais, obscenamente interligados numa rede de proteccionismo e lavagem de dinheiros, com proxenetismo, tráfico de pessoas e de armas pelo meio?

Já pensaste que o preço dos produtos é simbólico? Na verdade, na realidade, tudo aquilo que consumimos tem um preço de custo perfeitamente irrisório. Isso não te transporta o raciocínio para lado nenhum, entre camionetas de laranja e tomate e outros excessos de produção deitados ao rio para manter os preços altos, sapatilhas saídas a dois cêntimos vendidas a cem e a duzentos euros e tanta gente esfomeada, tanta gente descalça?

Gostas de ter o dinheiro dos impostos altíssimos, que pagas muitas vezes a dobrar, empregue em submarinos, tanques, aviões, munições, casernas e tropas que não te servem para nada, usadas em apoios militares às manobras determinadas por interesses de negócios privados de accionistas gananciosos, em países longínquos cujos habitantes nem te atacaram nem nunca te fizeram mal algum? Não sentes um ligeiro cheiro a sangue inocente e a carne de civis queimada nas tuas mãos quando encolhes os ombros a essa realidade? A expressão "objecção de consciência civil" não te indica algumas possibilidades?

Se os teus filhos mais agressivos e egoístas, aqueles a quem tens de ralhar constantemente porque batem nos irmãos para lhes tirar os brinquedos, que te mentem para se justificar, faltam ao respeito devido a ti e a todos e demonstram a cruel e imatura incapacidade de se condoer com o sofrimento alheio, tomassem o mundo de assalto, transformassem os seus brinquedos de guerra num arsenal bélico a sério e se tornassem em despóticos senhores da guerra, usando os bancos como instrumentos de usura e coação, usando as verbas dos impostos que poderiam erradicar a fome, a doença, a ignorância, os nascimentos indesejados de crianças, em suma, a pobreza universal, em fundos para financiar as suas manobras pessoais de crianças enlouquecidas pelo egoísmo e pela ganância, e os media, que também controlassem, como meio para difundir as suas mentiras e nomear os seus bodes expiatórios, não seria isso um pesadelo dos mais macabros? Acorda: é a macabra realidade.

Recusa a esmola, as recolhas de fundos, os "lives aids", eles são o alívio momentâneo do teu desconforto e não fazem mais que ajudar o pobre a ficar como estava e os organizadores a ficarem mais ricos e famosos. Usa o teu voto como a preciosidade que ele é. Se necessário for, não o uses, porque deixou de ser um direito teu, há muito que é a corda com que te enforcam.

Mas levanta-te e faz-te ouvir.

anónima do séc. XXI

1 comentário:

Anónimo disse...

Olha...Bateu me!
A mudança de mentalidades tem de começar em algum lado, mas isto implica acções no quotidiano contra um instinto primário do ser humano....egoismo. K é como kem diz identificação com o ego elevado ao máximo. A luta e com a minha propria incapacidade de elevar um valor mais alto k a mim próprio. Sacrificar nos (pk nao se muda nada da noite para o dia)por ideias e sonhos de como poderia ser.
Alto texto, ja nao sentia esta vontade de justiça humana e este objectivo há mto tempo.