Sócrates decidiu que não há referendo para ninguém. Bem, talvez não tenha sido ele quem decidiu, mas a verdade é que foi ele quem transmitiu essa decisão. Portanto, foi também a ele que coube a tarefa de explicar o porquê do caminho escolhido.
Ora, o rapaz não fez por menos e decidiu tomar-nos a todos por parvos. Começou, na boa linha ditatorial de que vai dando cada vez mais exemplos, por afirmar que “não se justifica fazer um referendo quando há um consenso alargado na sociedade portuguesa quanto ao projecto europeu e quanto ao próprio Tratado de Lisboa”.
Então andaram estes homens todos, mais sábios que a sociedade portuguesa, decerto, a discutir, durante meses, se não anos, o que se escreve no Tratado e nós, que não participamos nessa discussão e que, portanto, estamos menos conscientes das implicações reais do enunciado, estamos de acordo logo à partida? Ou será que a sociedade portuguesa é bastante mais evoluida do que os líderes europeus e não necessita de mais do que meia dúzia de notícias no jornal para cimentar a sua concordância?
Passando à segunda razão para não se referendar o Tratado de Lisboa, não podemos senão ter medo de a TSF ter deturpado propositadamente as palavras de Sócrates, quando lhe coloca na boca a frase “Fazer um referendo aqui em Portugal teria implicações noutros países e é justo dizer que, no mínimo, agravaria os riscos de o tratado nunca entrar em vigor”. Ou então, o moçoilo perdeu o pudor e atreveu-se mesmo a dizer que a democracia que ele defende é um sistema em que, caso se desconfie que a resposta do povo é diferente da vontade de quem manda, não se coloca a pergunta.
Não se trata de perguntar ao povo português. Aí, Sócrates, acha que o governo até ganhava, porque aproveitaria a discussão sobre o Tratado de Lisboa e sobre o que é isso da União Europeia, para “centrar o debate político num dos maiores sucessos do Governo, alcançados em Lisboa durante a presidência portuguesa”. Desta vez não será dos jornalistas da TSF, será de mim, mas acho que o que o primeiro ministro está a dizer é que até lhe dava jeito que as atenções fossem desviadas para aí, de forma a que não se reparasse tanto no que, no entretanto, de mal ele fizesse. Trata-se, isso sim, de perguntar a povos mais imprevisíveis do que os tugas, gente que, por vezes, decide ir contra a voz do dono. Isso disse Sócrates quando afirmou, que tal “agravaria os riscos de o tratado nunca entrar em vigor”. Sei que esta repetição duma citação não é do mais ortodoxo, mas ainda não deixei de me maravilhar com a candura da frase.
O que eu gostava mesmo era de viver numa terra onde essa noção de primeiro-ministro fosse obsoleta. Mas, enquanto não se chega lá, já me ia bastando que o PM pugnasse por que o seu país fosse mundialmente conhecido por ser inflexível na aplicação das noções que o sustentam, como seja a de democracia. E não por ser o que dá exemplo de autoritarismo de forma a que outros não tenham que sair embaraçados.
O terceiro argumento é mais uma cereja em cima do bolo. O que ele prometeu referendar foi a Constituição Europeia, não foi o Tratado de Lisboa. Podia ter utilizado isso antes: o que eu prometi referendar foi o aborto, não foi a interrupção voluntária da gravidez. Tão infantil que até dói.
Eu disse que te dava uma pastilha elástica, mas nunca te prometi que não a mastigava primeiro. Ah! como odiei o meu irmão quando ele me disse isso...
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