A cidade também se dissolve. Mesmo antes do amanhecer, conserva ainda alguma da sua beleza. Vazia, deserta, só, mostra-se em todo o seu esplendor. Tão intenso, que certos locais não se deixam mais admirar, apenas espreitar, como se a rua fosse o local de um crime acabado de ocorrer. Seguindo o canto dos seus cantos mais escuros somos surpreendidos frequentemente pelos encantos dos cantos que se seguem e conseguimos por vezes perceber as razões do nevoeiro e as outras possibilidades. É a melhor hora para a apreciar, ainda sem aquela luz intensa que nos faz semi-cerrar os olhos e torna mais difícil ver o que está bem à vista.
Pois o dia começa à hora marcada, e de repente, infalível e pontualmente, rios de gente escorrem em direcção ao centro, uma baixa pressão que atrai todos os afazeres. A cidade passa a estar programada. Cada rua, cada praça, cada jardim tem uma função. Cada placa, cada rampa, cada traço no chão. Deixa de ser possível evitar os constrangimentos e os direccionamentos, as possibilidades impossibilitam-se e o rio é contido nas margens para ele inventadas.
A cidade não deixou de ser bonita, mas agora esconde-se. Envergonhada pelo olhar de toda aquela gente de fora, que não a compreende e não a sente porque não vive nela. Vêm dos subúrbios e são turistas, quer tenham a máquina fotográfica na mão ou não, e a cidade sabe-o melhor que nós. É ela que anda a ser chulada.
Já não há tripeiros, caiu a Invicta! Roída por dentro, onde já ninguém a defende, nem ninguém a quer. À sua beleza, história, alma, futura e passada, preferiram o condomínio fechado e a tv cabo pré-instalada.
Abandonada, drogada e confusa, comporta-se já não como uma cidade, mas como um daqueles cenários que antigamente se montavam para o cinema. Comporta-se como uma fachada. Uma fachada tal como os seus governantes, representantes e outros pedantes. Esses também acordaram há pouco e têm medo da cidade com que sonharam.
Querem-na assim, seca e embalsamada, em exposição para quem pode pagar, e pagar-lhes. Não tarda, até a chorar os vemos, perante a ruína citadina… Tanto pior, preferimos baldios a centros comerciais e dependências bancárias.
Comissão de Moradores da Cidade do Porto Futuro
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