O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

domingo, 6 de abril de 2008

Outra Cimeira Europa-África

Já gastamos a Europa, agora te­mos de ir para África com mais empenho, não chega o trabalho das nossas farmácias a impedi-los de controlar o HIV, a malária, a po­liomielite e a doença do sono, não chega explorá-los com a nossa adaptável política de imigração, temos de definir novas fronteiras, já resultou no passado e desta vez não seremos nós a okupar, serão as empresas de alguém e a boa vontade das ONGs a dividi-los de novo, mas, desta vez, segun­do regras da economia e quando derem por ela já sugámos toda a riqueza e esqueceram que a sua força está na sua cultura.Eliminar qualquer suspeita de ter­rorismo e sair como libertadores de povos oprimidos por ditadores sem escrúpulos. Este método não deverá ser muito diferente do que por cá, de geração em geração, desenvolvemos e aperfeiçoamos. Palavra da UE

Assim se resumia, no blog da CasaViva, a conversa que por lá aconteceu a 7 de Dezembro de 2007, organizada pelo SOS Racis­mo. Nesse mesmo dia, iniciara-se, em Lisboa, a Cimeira Europa-África, apresentada como um grande sucesso da presidência portuguesa. Iniciara-se também outra cimeira, uma que pretendia desbravar novos caminhos “rumo a uma alternativa para os povos de África e da Europa”.

Cá e lá, na CasaViva, na cimeira oficial e na alternativa, discutiram-se, com diferentes perspectivas, bem entendido, possibilidades de futuro, lançadas por quatro te­mas principais: desenvolvimento económico; soberania alimentar, agricultura e recursos naturais; direitos humanos; migração. Dis­so se falou na CasaViva. Disso se falou também na cimeira alter­nativa. E de alguma coisa do que foi dito deixamos testemunho nos próximos parágrafos.

Os governos europeus, agindo através do Fundo Monetário In­ternacional, do Banco Mundial e, mais recentemente, da Orga­nização Mundial de Comércio, impuseram programas de ajus­tamento estrutural radicais aos Estados africanos. Depois de mais de duas décadas de desre­gulamentação do comércio e de promoção da obrigatoriedade de políticas económicas orientadas para a exportação, de endeusa­mento da liberalização dos mer­cados de capitais, da promoção do investimento estrangeiro e da privatização de serviços públicos, são evidentes os efeitos negati­vos. Não contente, a UE confronta os países africanos com o reforço dessas mesmas políticas através dos Acordos de Parceria Econó­mica (APEs) propostos.

A UE tem também participado ac­tivamente, através da imposição do modelo neoliberal, controla­do pelas grandes corporações, de agricultura industrial e de produção alimentar, na destrui­ção da soberania alimentar dos povos, anulando a capacidade política dos estados africanos para apoiar as suas agriculturas e proteger os seus mercados re­gionais. São políticas que promo­vem a privatização de sementes e da biodiversidade e que ajudam à propagação de Organismos Gene­ticamente Modificados e do con­ceito de direito de propriedade intelectual promovido por corpo­rações europeias e outras. Ideias que levam à criação de um mer­cado global de agrocombustíveis, incentivado por medidas como as metas fixadas pela UE em matéria de biocombustíveis e subsídios para a sua produção.

Perdendo campos de produção agrícola orientada para a ali­mentação em favor daqueles destinados aos novos combus­tíveis, estas políticas, que levam ao aumento brutal do preço dos cereais, promovem, duplamente, a fome e determinam uma utili­zação dos solos que favorece as corporações em relação aos agri­cultores e às gerações futuras.

Ouviram-se ainda denúncias da hipocrisia do discurso europeu sobre direitos humanos, como se as guerras onde são muti­lados não fossem combatidas com armas europeias, como se a impunidade das multinacio­nais e dos seus crimes não fos­se uma realidade, como, enfim, se os seres humanos e os seus direitos, não estivessem, em termos de prioridade, uns pata­mares abaixo dos sagrados in­teresses económicos.

Falou-se, por fim, do que, sem o sabermos então, nos voltaria a reunir, a questão das migrações e das políticas europeias que as enformam, orientadas por pre­ocupações securitárias e pela exploração de seres humanos, que criminalizam os migrantes e ameaçam os seus direitos huma­nos e sociais, quer na Europa quer em África, sem esquecer que a emigração em massa é, em larga medida, o resultado das políticas europeias que privam os africanos de outras oportunidades, violan­do os seus direitos económicos, sociais e culturais, especialmente o direito à alimentação.

Da conversa, ficaram as infor­mações, as várias formas de en­carar uma mesma realidade, di­versas perspectivas de solução. Ficou, acima de tudo, a noção de que a exploração colonialista se mantém, revestindo-se, ape­nas, de capas modernas que a ajudam a legitimar-se.

africa-europa-alternativas.blogspot.com

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