Outra Cimeira Europa-África
Já gastamos a Europa, agora temos de ir para África com mais empenho, não chega o trabalho das nossas farmácias a impedi-los de controlar o HIV, a malária, a poliomielite e a doença do sono, não chega explorá-los com a nossa adaptável política de imigração, temos de definir novas fronteiras, já resultou no passado e desta vez não seremos nós a okupar, serão as empresas de alguém e a boa vontade das ONGs a dividi-los de novo, mas, desta vez, segundo regras da economia e quando derem por ela já sugámos toda a riqueza e esqueceram que a sua força está na sua cultura.Eliminar qualquer suspeita de terrorismo e sair como libertadores de povos
Assim se resumia, no blog da CasaViva, a conversa que por lá aconteceu a 7 de Dezembro de 2007, organizada pelo SOS Racismo. Nesse mesmo dia, iniciara-se, em Lisboa, a Cimeira Europa-África, apresentada como um grande sucesso da presidência portuguesa. Iniciara-se também outra cimeira, uma que pretendia desbravar novos caminhos “rumo a uma alternativa para os povos de África e da Europa”.
Cá e lá, na CasaViva, na cimeira oficial e na alternativa, discutiram-se, com diferentes perspectivas, bem entendido, possibilidades de futuro, lançadas por quatro temas principais: desenvolvimento económico; soberania alimentar, agricultura e recursos naturais; direitos humanos; migração. Disso se falou na CasaViva. Disso se falou também na cimeira alternativa. E de alguma coisa do que foi dito deixamos testemunho nos próximos parágrafos.
Os governos europeus, agindo através do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e, mais recentemente, da Organização Mundial de Comércio, impuseram programas de ajustamento estrutural radicais aos Estados africanos. Depois de mais de duas décadas de desregulamentação do comércio e de promoção da obrigatoriedade de políticas económicas orientadas para a exportação, de endeusamento da liberalização dos mercados de capitais, da promoção do investimento estrangeiro e da privatização de serviços públicos, são evidentes os efeitos negativos. Não contente, a UE confronta os países africanos com o reforço dessas mesmas políticas através dos Acordos de Parceria Económica (APEs) propostos.
A UE tem também participado activamente, através da imposição do modelo neoliberal, controlado pelas grandes corporações, de agricultura industrial e de produção alimentar, na destruição da soberania alimentar dos povos, anulando a capacidade política dos estados africanos para apoiar as suas agriculturas e proteger os seus mercados regionais. São políticas que promovem a privatização de sementes e da biodiversidade e que ajudam à propagação de Organismos Geneticamente Modificados e do conceito de direito de propriedade intelectual promovido por corporações europeias e outras. Ideias que levam à criação de um mercado global de agrocombustíveis, incentivado por medidas como as metas fixadas pela UE em matéria de biocombustíveis e subsídios para a sua produção.
Perdendo campos de produção agrícola orientada para a alimentação em favor daqueles destinados aos novos combustíveis, estas políticas, que levam ao aumento brutal do preço dos cereais, promovem, duplamente, a fome e determinam uma utilização dos solos que favorece as corporações em relação aos agricultores e às gerações futuras.
Ouviram-se ainda denúncias da hipocrisia do discurso europeu sobre direitos humanos, como se as guerras onde são mutilados não fossem combatidas com armas europeias, como se a impunidade das multinacionais e dos seus crimes não fosse uma realidade, como, enfim, se os seres humanos e os seus direitos, não estivessem, em termos de prioridade, uns patamares abaixo dos sagrados interesses económicos.
Falou-se, por fim, do que, sem o sabermos então, nos voltaria a reunir, a questão das migrações e das políticas europeias que as enformam, orientadas por preocupações securitárias e pela exploração de seres humanos, que criminalizam os migrantes e ameaçam os seus direitos humanos e sociais, quer na Europa quer em África, sem esquecer que a emigração em massa é, em larga medida, o resultado das políticas europeias que privam os africanos de outras oportunidades, violando os seus direitos económicos, sociais e culturais, especialmente o direito à alimentação.
Da conversa, ficaram as informações, as várias formas de encarar uma mesma realidade, diversas perspectivas de solução. Ficou, acima de tudo, a noção de que a exploração colonialista se mantém, revestindo-se, apenas, de capas modernas que a ajudam a legitimar-se.
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