O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Índice

O Pica Miolos


O espectro da liberdade surge sempre com uma faca nos dentes


Casa assaltada, faixas à mostra


Interlúdio: a censura no myspace


Mordamos-lhes os calcanhares!


Chamem a polícia, que eu não saio da praça


Fui ao jardim do DIAP giroflé flé flá


Uma comédia em três actos


Quando a cidadania fica refém da intolerância


Está caladinho, senão levas no focinho!


SEF processa activistas


Solidariedade11novembro


Anarquistas saqueiam supermercado


Responsáveis do Pirate Bay condenados a prisão


26 de Abril


Cravos há muitos ó democráticos... E revoluções?


O Pica Miolos

A polícia, que não gosta que lhe chamem bófia, tirou a faixa da fachada da CasaViva. Não foi por não gostar que lhe chamem bófia, mas por achar que incitava à violência. A faixa foi retirada a 5 de Janeiro, dia a seguir a um jovem português morrer baleado por um polícia. A faixa fora colocada a 20 Dezembro, dia internacional de solidariedade com a luta do povo grego, desencadeada pela morte de um jovem grego baleado por um polícia.


Exemplo flagrante do aumento da repressão aconteceu em França, em Novembro passado: 20 pessoas foram detidas numa mega-operação policial; uma ainda está presa, nove foram acusadas de terroristas. Ontem em França, amanhã…


Portugal, Almada, Janeiro: uma acção de defesa de uma zona pedonal termina com uma inusitada descarga policial. “Custa realizar que a polícia portuguesa não distingue uma dúzia de jovens, mulheres e crianças rodeados por idosos e cujas armas eram tambores e flyers, de um grupo de terroristas com caçadeiras”, lamenta Lanka Horstink.


Porto, Março: três pessoas foram multadas por terem participado numa manifestação por melhores transportes públicos. Em Janeiro, o julgamento de quatro activistas acusados pelo SEF de “difamação agravada” transitou do Tribunal do Bolhão para o de S. João Novo, designado “mais competente para julgar o caso”.


Na Suécia, quatro responsáveis pelo site de partilha de ficheiros Pirate Bay foram condenados a prisão e a avultadas multas. Ao myspace, chegou a censura.


Na CasaViva, os mais recentes episódios envolvendo a autoridade não se limitaram à apreensão de uma faixa e atingiram requintes dramáticos de romance policial, com um mistério por desvendar transformado em comédia. Talvez a saída passe por gozar com isto tudo e seguir o exemplo do grupo de anarquistas galegos.


Por tudo isto e muito mais, e porque o Pica Miolos continua a seguir critérios necessariamente tendenciosos, este número é dedicado à repressão da autoridade, que cada vez mais aperta o cerco. Trinta e cinco anos sobre a revolução de Abril, os cravos estão definitivamente murchos. O admirável Portugal novo vê-se confrontado com vícios de ditadura e revoluções encravadas.

O espectro da liberdade surge sempre com uma faca nos dentes
















Ao contrário do que nos querem fazer crer os meios de comunicação, o assassinato, às mãos da polícia grega, no passado dia 6 de Dezembro, do jovem de 15 anos Alexandros Grigoropoulos (Alexis) não foi um incidente isolado. Tratou-se, antes, duma explosão do Estado repressivo que, de forma sistemática e organizada, aponta para os que resistem, os que se revoltam, os que combatem o estado actual das coisas e a autoridade que lhe dá corpo. Tratou-se, enfim, da escalada do ataque generalizado a toda a sociedade, que pretende impor formas mais rígidas de controlo e exploração e que se reflecte diariamente nos “acidentes de trabalho”, na perseguição e encarceramento de imigrantes, na pobreza, na exclusão social, na chantagem para que nos integremos num mundo de divisões sociais, todos crimes daquilo a que, geralmente, se chama o Sistema.


Tudo, claro, bem regado pela guerra ideológica coordenada entre os mecanismos dominantes de comunicação e os poderes, que nos convencem de que não há alternativa, pelo menos até que uma crise ponha a nu as contradições do seu modelo, altura em que decidem que serão novamente eles, os arquitectos do modelo falhado, a guiar-nos para novos paradigmas. Das escolas transformadas em armazéns de putos, às universidades onde se tenta criar carreiristas acríticos, passando pelos espaços tétricos da escravidão assalariada em que nos encerram e pelas fronteiras de arame farpado onde se impede que os deserdados apoquentem o banquete, a democracia e o capitalismo mostram a sua verdadeira face. Da mesma forma, as chamas nas ruas de várias cidades gregas não são uma resposta unicamente direccionada ao assassinato policial. Sem o sufoco social crescente que acompanha a raiva que agudiza a revolta contra a morte de Alexis, não haveria essa característica fundamental que os protestos gregos trazem em si, a de se voltarem contra a estrutura vigente e não apenas contra a conjuntura governamental ou repressiva do momento.


Neste contexto, as pedras arrancadas das ruas gregas e atiradas à polícia ou às catedrais do mundo-feira, as garrafas ardentes que recortam os céus, as universidades ocupadas e transformadas em assembleias de debate aberto, todas as acções e tentativas, são pedaços do mundo insubmisso, livre, fraterno e justo com que, eles e nós, sonhamos. A sua coragem para continuarem a resistir apesar da porrada, da prisão, das nuvens de gás lacrimogéneo e das balas é um exemplo para que não nos calemos nunca perante o medo e o silêncio que nos querem impor e que, ao invés, os utilizemos como detonador do levantamento contra o terrorismo legal que pratica o Estado e da criação de algo novo, fundado em novos princípios.


Utilizando as leis “anti-terroristas” que, por toda a Europa, se têm imposto da forma como sempre as têm utilizado, as autoridades estão, neste preciso momento, a deter os que lutam e a confrontá-los com acusações como “associação criminosa”, num ambiente devidamente temperado pelos meios de comunicação, verdadeiros guardiões do status quo, que, com a sua propaganda que vê “violência” numa montra partida e “normalidade” num ser humano a morrer à fome, pavimenta o caminho à repressão, de forma a que tudo volte à fatalidade da injustiça e da submissão.


Daqui, queremos deixar bem claro que não temos dúvidas sobre o lado em que estamos. Ao lado dos que apelam “não deixem este hálito flamejante de poesia atenuar-se ou extinguir-se”. Solidários com os que lutam, com os detidos nos confrontos dos últimos dias, com todos os que se juntaram à mesma luta no Chipre, Alemanha, Espanha, Dinamarca, Holanda, Reino Unido, França, Itália, Polónia, Turquia, Estados Unidos, Irlanda, Suécia, Suíça, Austrália, Eslováquia, Croácia, Rússia, Bulgária, Roménia, Bélgica, Nova Zelândia, Argentina, México, Chile e, certamente, muitos outros locais deste Planeta que é nosso.







20 Dezembro 2008

Dia de solidariedade

com a luta do povo grego



Casa assaltada, faixas à mostra

Nas democracias policiais, a liberdade de expressão é um direito de todos os cidadãos. Também por isso lhes chamam democracias. Mas esse direito tem limitações, coisa lógica nesta sociedade onde se definiu que “uma liberdade acaba onde começa a do outro”, impedindo-se, assim, que se interpenetrem, que se prolonguem uma na outra. Pensamentos perigosos, que poderão constituir um qualquer crime se tornados públicos, e que, portanto, ficam por aqui. Já basta o que basta, dizia o outro, como sempre, cheio de razão. O que agora interessa, de facto, é que, em primeira instância, quem define as limitações das liberdades, e, por arrasto, as da liberdade de expressão, é a polícia. Também por isso lhes chamamos, a essas democracias, policiais.


Na Casa Viva, logo no primeiro dia oficialmente útil da semana, tivemos mais uma prova de que Portugal se insere nesta categoria de democracias. Por volta das 15h00 desse 5 de Janeiro, os Bombeiros Sapadores do Porto, a mando da Polícia de Segurança Pública, também presente, retiraram, assim, sem pedidos nem explicações, a faixa solidária com o movimento grego que a Casa vinha exibindo desde 20 de Dezembro. O motivo da apreensão, tal como informado no respectivo auto, é “incitava à violência, cometendo o crime contra a paz pública”. Não fosse o tal adjectivo que acompanha a nossa democracia e ter-se-ia tratado de um roubo. Afinal, uma faixa não publicitária numa fachada duma casa particular só pode ser retirada se tal for pedido pelo proprietário, o que não aconteceu. Mas o facto é que esse adjec­tivo está lá por alguma razão e, em estando, o acto de surripiar transforma-se em apreensão, os prevaricadores em sujeitos activos de acusação e as vítimas em réus.


Pode-se olhar para a faixa pelo ângulo que se quiser, mas é precisa muita liberdade de interpretação para nela ver um incentivo à violência. Mas, lá está, essa é apenas mais uma das liberdades das democracias policiais que, como todas as outras, tem uma definição e um âmbito dependentes do livre arbítrio dos agentes da Autoridade, gente que se costuma acusar de ser pouco dada a divagações poéticas, mas a quem não podemos deixar de gabar a capacidade de ler nas entrelinhas ainda mais do que os autores das linhas queriam fazer transparecer.


No processo de roubo/apreensão da faixa, os agentes acharam por bem deter três pessoas que saíam da casa a ver o que se passava do lado de fora do sítio onde lhes tinham oferecido guarida. Estavam, aparentemente, a utilizar de forma ilegal numa casa que não é deles. Mas houve queixa do proprietário? Falamos com ele e ele disse que não devia estar ninguém em casa. Falaram com ele?! Bem... a casa está em ruínas e não pode estar lá gente a viver! A Casa está em ruínas? Quem falou em ruínas? Então porque é que estão detidos? Não houve detenções, só os trouxemos à esquadra para assinarem o auto de apreensão. A uns gajos que não têm nada a ver com a casa nem com a faixa? Mais alguém dá a cara pela faixa? Claro que sim! Então já não estão detidos, podem sair os três e até voltar para a casa em ruínas onde, para além de não poderem estar por causa dessa sua – da casa – condição, não podiam estar por falta de autorização do proprietário.


Ora então cá temos os responsáveis pela faixa. Basta que um assine o auto de roubo/apreensão, que os outros já estão identificados de qualquer forma, apesar de nunca lhes termos controlado legalmente as identidades. Agora a coisa vai para o DIAP e já não é mais nada connosco, que vocês aparecem aqui aos magotes e a malta quer ver o discurso do Sócrates sem medo de que nos ocupem esta merda, perdão sr. ministro, esta esquadra, tão lindamente baptizada como sendo do Paraíso, apesar de, para tal, ainda faltarem os canais da Sport Tv, vá lá que nos resta a TVI e as novelas com gajas boas. Depois, daqui a seis meses, um ano, ou dois, o DIAP lá decidirá se a queixa da PSP é válida e, se não for, a faixa será devolvida. No entretanto, a gente fica sem a faixa de que o agente não gostou e assim mesmo é que é numa democracia policial.


Ora, é provável que o DIAP considere que a faixa, de facto, mais do que um apelo à violência, é um grito contra a sua utilização por quem lhe detém o monopólio e que, como tal, o seu roubo/apreensão até pode, pelo menos em teoria, configurar um atropelo à liberdade de expressão. Pouco interessa. Não será por isso que a Casa será deixada em paz. Há a questão da ocupação ilegal. Ah, é verdade... o proprietário autoriza a ocupação do espaço. Mas há a questão das drogas. A questão das drogas? Sim, a casa está conotada com drogas. Conotada por quem? Pela polícia. Mas entraram lá ilegalmente para ver essa questão? Nem pensar... mas cheira muito a charro no passeio quando se passa por perto. O quê? É verdade... e, ainda por cima, entra lá gente com mau aspecto! Isso não é discriminação? A polícia não discrimina... limita-se a ver se determinada pessoa tem determinado aspecto e, se o tiver, fica imediatamente associada ao consumo de drogas. E isso não é discriminação? Não desconversem... é que há a questão da propriedade! Ah, é verdade... o proprietário autoriza a ocupação do espaço. Pois é... então, há a questão das drogas. E sabem quem vai sofrer com isso se não tomam cuidados?


Os processos de intimidação à divergência apertam-se. Espera-se que o medo de qualquer coisa, independentemente do que seja, impeça as pessoas de se manifestarem, de exporem opiniões, de se levantarem perante as injustiças dos poderosos. Depois de visitas policiais à Casa em dias de reuniões, depois de visitas regulares ao blog, veio o roubo/apreensão da faixa, um processo-crime sobre “os responsáveis pela faixa”, o reconhecimento policial de que já estamos todos fichados e as ameaças de que, ou atinamos, ou nos fecham a Casa e nos mandam de saco, por causa da questão da propriedade, aliás, por causa das drogas, aliás por qualquer coisa que lhes apeteça.


O problema é que achamos que nós é que somos os atinados e não nos apetece, agora que os desvarios juvenis já passaram na sua maioria, desatinar e começar a comer tudo o que nos dão ou a baixar a cueca cada vez que nos tentam violentar. Para além de que a Casa, assim sem uma faixa, parece despida. E nós não queremos um processo-crime por atentado ao pudor.

Interlúdio: a censura no myspace



Mordamos-lhes os calcanhares!

A 6 de Dezembro de 2008, em Atenas, Grécia, um agente da autoridade baleou mortalmente um puto de 15 anos. Alegou auto-defesa. A 20 de Dezembro, como resposta ao apelo duma universidade da capital helénica, colocamos na fachada da CasaViva uma faixa a dizer "o estado criminaliza, a imprensa aponta, a bófia dispara! Hoje Grécia, amanhã...". Alegamos solidariedade e repúdio pela violência policial.


No dia 4 de Janeiro deste ano, à noite, um agente da portuguesa PSP matou, na Amadora, também a tiro, um outro puto, este de 14 anos. Alegou que disparou a dois metros em auto-defesa. A primeira alegação parece ter sido desmentida pelas peritagens e, também por isso, são-nos permitidas sérias dúvidas sobre a credibilidade da segunda, levantadas já, aliás, pelos comentários feitos por quem conhecia a vítima do disparo policial.


No dia seguinte, 5 de Janeiro, pelas 15h00, a mesma PSP, que não os mesmos agentes, retirou a faixa do 167 da Praça do Marquês, no Porto. Alegou que incitava à violência. Talvez tenham julgado que o seu colega da Falagueira, o tal que disparou a matar sobre o tal puto de 14 anos, considerou a faixa como uma inspiração e que, depois de ver o Estado a fazer leis que protegem os privilegiados e que criminalizam a pobreza, depois de ver as televisões a apontarem, não aos que têm de mais, mas aos que nada têm, acabou por ver na faixa a luz que iluminava o caminho a seguir.


Não nos parece. Acreditamos, antes, que, por azar, a faixa acabou por se revelar premonitória e colocou o dedo na ferida. Na Grécia, está, ainda neste momento, a acontecer uma revolta popular que junta estudantes, jovens com contratos e vidas precárias, trabalhadores explorados e cidadãos que, por serem doutro país, são considerados de segunda. Nas ruas, nos locais de trabalho e nas escolas, há milhares de pessoas que dizem Basta! a um sistema que se baseia no dinheiro, no lucro e na propriedade e tentam inventar novas formas de organização que lembrem sempre que, no topo das prioridades, têm que estar as pessoas e o planeta que lhes permite viver. No entanto, os jornais e as tvs, que, não por acaso, são propriedade dos mesmos que a revolta grega contesta, limitaram-se a passar notícias e imagens de motins, remetidas para a prateleira da "violência sem justificação".


Enquanto assim foi, o Estado podia permitir-se respeitar o direito à livre expressão. Até que as coisas descambaram assim que surgiu uma situação em que essa liberdade podia levar alguém a efectivamente pensar e pôr em causa esta merda de mundo em que se diz que todos nascem iguais, quando, na realidade, a maioria vem ao mundo condenada à mais abjecta miséria, para que alguns possam nadar no meio da mais pornográfica opulência.


Os poderosos, nome genérico com que pretendemos representar todos os que são responsáveis e beneficiários da organização económica e social da humanidade, sabem que o seu modelo, ao levar tão longe a exploração, está prestes a atingir um ponto de ruptura. E percebem que, depois de séculos de espezinhamento, uma grande parte da população não é mais do que vapor de água numa panela de pressão. Na tentativa desesperada de conter as águas e manter tudo como está, acham que já não chega manipular as opiniões através do controlo dos meios de comunicação. É preciso cortar pela raiz qualquer tentativa não institucional de dissidência e resistência.


Este início de 2009, com uma carga repressiva pouco habitual, é sintomático. Para além dos episódios já referidos do assassinato na Falagueira, Amadora, e da censura da faixa na CasaViva, há ainda a acrescentar, pelo menos, mais dois no Porto e um terceiro em Almada.


O primeiro, o julgamento de pessoas envolvidas numa manifestação contra a alteração das carreiras e dos horários dos autocarros da STCP. Quando não se consegue criminalizar o acto de protestar, arranjam-se esquemas para criminalizar as pessoas, alegando-se que a licença para protestar não foi pedida em tempo útil. Demonstrando como, nesta democracia, protestar contra uma decisão da administração da STCP que não tem em conta os utilizadores dos transportes é menos legítimo do que essa própria decisão.


O segundo, a transferência do julgamento de activistas pelos direitos dos migrantes para um tribunal potencialmente mais "duro", fazendo com que a moldura penal possa ir de dois a oito anos de cadeia. Isto, lembremos, por terem decidido que foram os actuais arguidos os responsáveis por um panfleto onde se denunciava a atitude racista do então director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do Porto. Demonstrando que, nesta democracia, uma denúncia sobre práticas racistas é menos legítima do que essas próprias práticas.


Por fim, quando alguns almadenses decidiram sair para a rua a exigir que um determinado espaço pedonal fosse efectivamente respeitado como tal, a polícia, sem ter havido qualquer tipo de provocação, começou a carregar indiscriminadamente, ferindo pessoas, ameaçando outras, pondo-as em perigo a todas. Demonstrando, enfim, que, nesta democracia, a polícia se parece muito com a de outros tempos, a polícia é quem mais ordena.




A liberdade de expressão, tal como todas as outras liberdades, só é respeitada desde que não ponha em causa a paz dos poderosos, em que andamos todos a tentar comer-nos uns aos outros para ver quem apanha mais migalhas da refeição dos gajos lá de cima.


Nesta altura em que até as migalhas já são poucas, está na hora de lhes mordermos os calcanhares, para que percebam que a refeição não é só deles e é para ser bem dividida de forma a dar para todos.


Vão mandar a polícia impedir-te de os ferrares. Insiste! Se se sentirem apertados, pode ser que até te ofereçam da sopa. Mas, ainda assim, não vão querer partilhar o conduto. Há que lutar até que o tomemos! Para todos!


Chamem a polícia, que eu não saio da praça

Estavam à nossa espera. O blog anunciava o início da festa às 11h00, mas passava do meio-dia quando começamos a montar bancas, mesas, cadeiras, bancos, cavaletes, xadrez, livros, pincéis e papéis na praça do marquês. Apareceram de imediato. PSP, dois agentes, um dos quais graduado. O mesmo que comunicou ao primeiro que abordou que ali não podíamos estar, por se tratar de um evento anunciado, o blog que haviam consultado assim o confirmava e tal carece de licença, coisa de que não dispúnhamos.


“Evento” … o termo, e respectiva definição, desenrolou uma conversa de mais de uma hora. Sobre este e outros conceitos não se chegou a consenso algum. Ficou o aviso: “sujeitam-se a que apareça a polícia municipal e apreenda todo o material que aqui se encontra”. Pretendíamos, apenas, provocar um encontro numa praça da cidade, um encontro para distribuir informação, conversar, jogar xadrez ou jogar à petanca, pintar, fotografar, ler, estar. Regado com alegria de palhaços e almoço popular. Tudo isso aconteceu.


Pelas 16h30, quando a também anunciada polícia municipal surgiu, recolhíamos já à CasaViva, um espaço de propriedade privada mas porventura dos mais públicos na verdadeira acepção da palavra. A fachada exibia então um Aviso Público: A censura é sempre mais violenta do que qualquer faixa. Ao contrário da autoridade, a CasaViva não censura, não criminaliza, não mata.


Como a realidade lá fora é outra e porque o desconhecimento da lei não é desculpa para poder prevaricar no que à mesma diz respeito, com a colaboração do referido simpático agente no seu esclareci­mento, elaborou-se o possível:



Manual de Frequência

do Espaço Público



1. Não se pode montar bancas de informação, com ou sem rodas, mesmo que não existam transacções comerciais. Pode distribuir-se propaganda desde que autoportante e, em caso de cansaço físico, só se pode sentar e/ou pousar essa informação em mobiliário municipal por poucos segundos, talvez um minuto, a lei parece não ser muito precisa.



2. Não se pode trazer um sofá para a praça e confortavelmente sentar-se ao sol a ler um livro, mas pode-se trazer uma cadeirinha, cuja dimensão parece que a lei também não refere com precisão, nem o tempo em que essa cadeirinha poderá estar a incomodar no espaço público. Segundo o agente graduado, a grande diferença entre um sofá e uma cadeirinha, numa praça, é o facto de o sofá levar os transeuntes a questionarem-se do porquê de tal mobiliário "anormal". Está a dizer-me, então, que a lei existe para defender as pessoas de se interrogarem sobre o que as rodeia? "Sim.” E que, portanto, a lei existe para normalizar as pessoas impedindo-as de exercerem o seu espírito crítico? "Sim.”


3. Pode-se ter um cavalete para qualquer cidadão pintar, mas se for mesa, nem que seja para crianças, já não pode ser.


4. Pode-se ter e estar a jogar xadrez num tabuleiro desde que não incorpore uma mesa.



5. Para se realizar um encontro com mais de três pessoas, este não pode ser anunciado na internet, pois será considerado organizado e portanto carece de autorização do Governo Civil. Mas se esse ajuntamento já tem história, é tradição, já pode livre e espontaneamente acontecer, conforme comprova o ajuntamento dos senhores do jogo da sueca, diariamente na praça do marquês. E para ser considerado tradição não chega ter como antecedentes só dois outros encontros, não se sabe se os nossos recentes três já serão suficientes.


5.1 Se o encontro for numa praça, por mais que seja um local de estar, é preciso ter cuidado quanto ao fim a que se destina, para não pôr em risco o que ela por definição não é, corredor de circulação pedonal. Ficai os interessados também a saber que se corredor fosse teria de se chamar Stª. Catarina e ser ocupada na altura em que está vedada ao trânsito automóvel. Se assim for, já isto e muito mais poderá acontecer e mesmo que bloqueie a passagem de um transeunte desinteressado não carece de autorização do Governo Civil.



5.2 Se clandestinamente organizar qualquer coisa, evite chamar-lhe evento, escamoteie o facto de ser organizado, mesmo que o não seja e verifique se está numa praça e se na sua fronteira existe algum edifício do qual possa sair gente considerável que necessite atravessá-la, como, por exemplo, uma igreja. Pois é, parece que o espaço público, apesar de assim se manter nomeado e além de cada vez mais parco nas nossas cidades, está cada vez mais parecido, nas suas limitações, com o espaço privado.


6. Embora o que dizem que a lei diz, não diz se o que no dicionário quer dizer é o que a lei diz. Para quem necessite ou deseje frequentar o espaço público, fique a saber que um dicionário de 2009 diz o seguinte:

“Evento”, do latim eventu, acontecimento;

“Organização”, acto ou efeito de organizar, preparação, planeamento, disposição que permite o uso e funcionamento eficiente, relação de coordenação e coerência dos diversos elementos que formam um todo;

“Praça”, do latim platêa, praça pública, lugar amplo, zona de estar, geralmente rodeado de edifícios [o que quer dizer que as ruas que a ladeiam são a área de circulação desse espaço];

“Rua”, do latim ruga, sulco, caminho, via ladeada de edifícios, zona que privilegia a circulação.


7. Mesmo assim se a sua acção levar os transeuntes a saírem das suas vidas pacatas, questionando-se na sua realidade e na do mundo que os rodeia, já corre sérios riscos de apreensão de todo o material por parte da polícia municipal e, no mínimo, são necessárias identificações dos provocadores dessa acção. Corre ainda um outro risco, o dessa acção ser considerada crime contra a paz pública, isto se subjectivamente tornar viável a hipótese de um cidadão, e basta um, com “um nível cultural baixo”, mais uma definição em que a lei peca por falta de precisão, interpretar mal a acção e desta forma sentir-se impelido à violência; pode vir a ser acusado de terrorismo, o que não será forçosamente mau se desejar alguma projecção nos média, desde que arranje um bom advogado para não acabar a gozar a sua glória aos quadradinhos.



Querem melhor e mais genuína, vindo de quem vem, explicação da lógica das leis? São estes os nossos sete pecados mortais a acrescentar às razões que contribuem para esvaziar o espaço público, torná-lo mais inseguro e, portanto, necessariamente mais policiado, violento e repressivo, em cidades cada vez mais elitistas de gente que se auto-enclausura em condomínios fechados que proliferam como cogumelos. Esta chama-se Porto Vivo, até podia ser vip mas é zip (zona de intervenção prioritária): um somatório de casas devolutas a recuperar para uma população influente, endinheirada, a bem de uma cidade chique, cuja alma é empurrada para os subúrbios. Porque a alma é a gente que lá nasceu, cresceu e viveu, com conta na mercearia, que pode contar a história daquela esquina, que conhece o vizinho que lá viveu antes, o barbeiro que já fechou e as vendedeiras do Bolhão de geração em geração. É a morte da cidade Aniki Bobó.


Tudo isto obriga a uma actualização de conceitos, pois praça, rua, casa, espaço público e privado já não são o que eram e nem um gajo que queira ser “um cidadão exemplar” sabe como agir. Portanto, já sabem, quando saírem de casa deixem o espírito crítico na gaveta da mesinha de cabeceira senão sujeitam-se a que, em Portugal, hoje e amanhã… a autoridade vos tente amordaçar.

Fui ao jardim dio DIAP giroflé flé flá

Um apelo em forma de relato

O segurança do DIAP, que mais não é do que o homem que aponta o nome de quem sabe ao que vai e orienta quem não sabe, disse-nos que a 1ª secção, na verdade a primeira de que nos lembramos, era do outro lado da rua. Do outro lado da rua, a menina que nos atendeu, e que tratava, de facto de coisas da 1ª secção, informou-nos que tínhamos acertado à primeira, senão na secção, pelo menos no edifício. Mas, onde tínhamos escolhido subir as escadas para o que nos parecia a entrada principal, e que o era, de facto, deveríamos ter decidido descer para o que parecia uma arrecadação, mas que era, na realidade, a secretaria, ou seja, o local onde nos indicariam definitivamente a secção a que nos deveríamos dirigir, assim como o respectivo piso.


Voltamos a atravessar a rua, onde se esqueceram de desenhar uma passadeira, quiçá um viaduto para peões, para facilitar as viagens de um edifício para o outro, ambos do DIAP em tête-à-tête na rua, nem de propósito, da Constituição. O moçoilo que nos atendeu solícito deixava o telefone tocar, afinal ele estava embrenhado no seu computador a ver se descobria para onde nos mandar e ia agora um gajo, só por ser ao telefone, passar à frente de quem lá estava presente, quem quer que seja que tente mais tarde e pode ser que tenha a sorte de, nesse preciso momento, ele não estar com outro caso entre mãos. Neste, o número do processo que a 7ª esquadra da Polícia de Segurança Pública do Porto tinha dado ao caso da apreensão da faixa não aparecia em lado nenhum. Subam ao 2º piso e, na 5ª secção, peçam para ver se o processo agora não tem o número tal, foi o melhor que se arranjou.


Assim fizemos. E, de facto, segundo nos informou a funcionária que preferia ter feito ponte naquela véspera de Carnaval, o processo da faixa estava apenso a um outro processo. Já receberam outra notificação, não é verdade? Não era. Não importa! O que importa é que foi tudo arquivado. Um momento... Não importa?! Então há um processo, que até foi arquivado, valha-nos isso, calcula-se que por falta de validade e/ou viabilidade, sem que os alegados proto-arguidos tenham sido notificados, e não importa?! Faça lá o favor de nos dizer que processo é esse. Nem imaginam a pilha de documentos que tenho lá dentro, não tenho tempo para procurar isso, ainda por cima hoje que tenho a fezada de bater o meu record no tetris. Não disse tanto, claro está, alguma coisa tê-la-á apenas pensado, façam o favor de a considerar pura especulação nossa ao olharmos para a cara que nos lançou a funcionária que preferia ter feito ponte naquela véspera de Carnaval.


Bem, então se se arquivou o processo da faixa, se se descobriu que não havia justificação para levar a coisa a tribunal, se se achou, realmente, que a nossa mensagem não apelava à violência... queremos a faixa de volta. O quê?! É verdade. Queremos a faixa. Vão ter que pedi-la e, depois, o magistrado decide se a entrega ou não. Como é que é? Escrevem um papelito a fazer o vosso pedido e logo se vê se é atendido ou não. Então tiram-nos a faixa por considerarem que é prova de crime, decidem que, afinal, não há crime e podem recusar-se, se lhes apetecer, a devolver a faixa? É assim mesmo.


Adiante. Não tem, por acaso, uma minuta que nos possa orientar? Mas vocês vão mesmo pedir a devolução da faixa? É convosco, mas pode dar azo a que haja um processo contra vocês. Por pedirmos a devolução da faixa? Vocês vão-se identificar e, assumindo a autoria, já há sobre quem fazer cair as responsabilidades. Mas a autoria já foi assumida na 7ª esquadra e, de certeza, isso fez parte das alegadas provas que algum magistrado viu antes de arquivar o caso... Afinal vocês querem a faixa ou querem um processo?, enervou-se a funcionária que preferia ter feito ponte naquela véspera de Carnaval. Nós queremos a faixa. Se bem que um processo até vinha a calhar. Porque, se é vergonhoso, que se apreendam livros com nus nas capas, não o é menos que se retire, no dia a seguir a balear-se um puto à queima-roupa, uma faixa por ter escrito que a bófia dispara.


Este ataque à liberdade de expressão e o processo que foi a nossa experiência no DIAP são reveladores de que se decidiu, sabe-se lá quem e sabe-se lá quando, que se permite que a polícia mate e se proteja censurando. Vá lá que em Braga censurou e não se protegeu matando. Mas nunca fiando... Nesse caso, a coisa foi mediatizada, o Ministério Público entrou em cena e o rapaz dos livros tem conhecimentos, dinheiro e paciência para levar a coisa a tribunal. No nosso caso, a mediatização foi impossível, não só pela nossa consciente falta de esforço, mas também porque a faixa ligava o papel dos média à impunidade com que a polícia dispara. O Ministério Público arquivou o caso sem se preocupar em averiguar se houve algum delito contra a liberdade de expressão. Triste a sina de quem tem que viver num sítio onde o controlo do MP sobre a legalidade do trabalho dos seus subordinados está dependente da agenda mediática.


Resta-nos, portanto, se quisermos que isto não passe impune, ter a iniciativa de processar a polícia por atentado à liberdade de expressão. A questão é que não somos como o rapaz dos livros e não temos conhecimentos, dinheiro ou paciência para tal. Portanto, se fores ou conheceres alguém que possa tratar disso, estás a arranjar uma forma de garantir que a autoridade tem que começar a ter mais cuidado antes de entrar a abrir e a censurar o que lhe apetece. Fala connosco. Doutra forma, o mais provável é que não aconteça mais nada em relação a isto, para além da devolução da faixa, que faremos por recuperar.

Uma comédia em três actos

Acto I

Os Inspectores da Câmara


Naquela manhã, estavam lá duas pessoas. Amigos que precisaram de guarida e que se preparavam para continuar a sua vida. Quando saíram, foram vistos e catalogados na já recorrente categoria do mau aspecto. Deixaram-nos seguir sem uma pergunta. Se nos bateram à porta ou não ninguém sabe. A casa estava já vazia.


O que se sabe é que bateram à do vizinho. Primeiro, apenas um, como que a medo, depois os outros dois para, tudo indica, completar o ramalhete. Todos vestidos a rigor, todos saídos dum yaris cinzento com logótipo da Câmara Municipal do Porto (CMP), todos a darem pelo pomposo título de inspectores da autarquia. Traziam, em papel timbrado, um ofício originado, diziam, numa queixa anónima de moradores da Praça do Marquês de Pombal. Nessa queixa, dir-se-ia que, no interior do 167 dessa praça, se desenvolviam actividades ilícitas, nomeadamente tráfico de estupefacientes e prostituição. Vinham, disseram, com a intenção de emparedar a casa.


Depois do que deve ter sido uma conversa altamente elucidativa com o vizinho, na qual não faltaram o “ainda agora saíram duas pessoas com mau aspecto” e o “nas últimas três semanas, temos vigiado a casa regularmente”, para além da sacramental pergunta “mas eles estão na casa legalmente?”, os inspectores partiram sem falar com mais ninguém, sem deixar recado aos legítimos ocupantes da casa, sem a emparedar e com o contacto de “legítimo proprietário” do edifício, o qual nunca chegaram a contactar.



Acto II

O Gabinete do Munícipe


A ideia de inspectores da câmara municipal a tomar diligências por causa de queixas cujo âmbito não abrangem pareceu-nos absurda. Tentamos, portanto, racionalizá-la, no sentido puro de lhe dar uma razão. O melhor que conseguimos foi que, como se tratava duma queixa anónima, a CMP tinha decidido investigá-la para aferir da sua credibilidade antes de a fazer chegar a quem de direito, no caso, a polícia. Como achamos que foram demasiado lestos na decisão de emparedar a casa e também na de a anular e como, enfim, pensamos que uma denúncia anónima e uma conversa informal não são meios suficientes para uma decisão ponderada, decidimos ir, nós próprios, falar com a autarquia, para ver em que é que podíamos ajudar.


O Gabinete do Munícipe é assim uma espécie de Loja do Cidadão, arejada, moderna, civilizada. O funcionário, talvez colaborador, que nos atendeu era jovem, conhecedor das possibilidades das hortas e dos conceitos básicos de administração pública, solícito, eficaz e saía às 17h00. Não lhe pagavam à peça e tinha, respeitando esse limite, todo o tempo do mundo. Vasculhou por todo o lado, em Marquês de Pombal 167, só na Praça, apenas em Marquês e em Pombal, chegando ao desespero de procurar por todas as ocorrências acontecidas em ou relacionadas com a Praça do Marquês de Pombal, Porto. Nem uma envolvia o número 167. Nada. Nem queixa anónima, nem inspectores, que a Câmara, aliás, não tem, chama-lhes fiscais e não lhes dá trabalhos de polícia criminal.


Terá sido um erro de audição do vizinho, aquilo de serem inspectores e não fiscais. E tudo o resto não terá passado de uma alucinação, com a excepção, talvez, do yaris cinzento com logótipo da Câmara Municipal do Porto, típico, segundo nos foi dito no Gabinete do Munícipe, da frota municipal.


Acto III

O yaris cinzento com logótipo da Câmara Municipal do Porto


Duas noites mais tarde, dois de nós separavam-se à porta da casa. Uma entrava e o outro seguia para o Metro, logo ali, do outro lado da rua. Ao atravessar... lá estava ele, o yaris cinzento com logótipo da Câmara Municipal do Porto. Dirigiu-se para lá, sem saber bem o que fazer ou dizer quando chegasse. Felizmente que isto aqui é como no cinema e, para lhe poupar embaraços, o yaris cinzento com logótipo da Câmara Municipal do Porto arrancou lesto perante tal aproximação. Foi visto mais vezes nas redondezas da casa de então para cá.

Quando a cidadania fica refém da autoridade

Relato de acontecimentos que não foram notícia nos jornais

16 Janeiro 2009, zona pedonal de Almada. Ontem fui relembrada pouco suavemente de que o inimigo número um de qualquer cidadã activa não são os problemas ambientais ou mesmo sociais: é, antes de mais, a intolerância. Convidada para participar numa acção de celebração e defesa da nova zona pedonal de Almada, contestada um pouco por todos por razões contraditórias, enfiei os patins num saco, fui buscar a minha filha à escola e apanhei comboio e metro para chegar ao, entretanto, infame local. Estava a decorrer um lanche popular, um grupo de pessoas jogavam jogos tradicionais e de vez em quando tocava uma banda de samba. Outros distribuíam folhetos aos condutores, que achei surpreendentemente numerosos. Basicamente está sempre um carro ou autocarro a passar, poucos respeitam o limite de 10km e é preciso muita cautela para não ser atropelado.


Mas, apesar do trânsito me suscitar críticas à câmara e à polícia por não o controlar, como sabia que estas entidades já tinham sido abordadas, tratava-se agora de sensibilizar os transeuntes e ganhar mais massa crítica para defender uma zona pedonal mais verdadeira. Em nenhum momento havia mais de 20 pessoas concentradas no local, metade ou mais mulheres, várias crianças, e ainda idosos que assistiam aos festejos.


Tudo correu bem durante duas horas, com condutores mais ou menos sensíveis à questão e conversas perfeitamente cívicas com os que passavam, incluindo pais da escola da zona, condutores de autocarros e agentes. Tudo correu mal quando a dada altura fica evidente a presença de um corpo de intervenção com oito elementos a observar e comentar a banda samba que inicia uma marcha à volta da praça, inevitavelmente atrasando o trânsito que, para além de ser denso, fazia ouvidos de mercador ao limite de velocidade.


Quando se acumulam três carros atrás da banda, onde a minha filha de 8 anos estava muito feliz a tocar um tambor, a polícia de choque resolve fazer uma carga sem aviso. Os agentes atiram-se à dúzia de musicantes rodeados por transeuntes e começam a empurrar com extrema violência. O facto de haver pessoas a filmar e fotografar incendiou-os ainda mais. Foram para o chão, entre outros, uma mulher com bebé ao colo e uma senhora com mais idade que acabou por ficar com um traumatismo craniano. Um rapaz franzino que tentou proteger a mulher com bebé levou uma cacetada que lhe abriu a cabeça (levou 8 pontos). Outra pessoa que estava a filmar e não quis entregar a câmara foi detida e arrastada para a carrinha.


A polícia começou a apagar as fotos das pessoas que estavam a registar o acontecimento e foi aí que eu levei um golpe violento (de bastão) na mão que segurava a câmara. Por pouco não me partiu os dedos mas deixou-os em mau estado, ficando a minha câmara para a história. Problema do polícia resolvido. Durante 15 minutos muito tensos nem sabia da minha filha, que felizmente é forte e corajosa e fugiu dos polícias enraivecidos, refugiando-se com perfeitos estranhos. A cena só acalmou com a chegada de mais polícias... de trânsito. Estes, como seria normal, focavam a sua atenção na população assustada e indignada, chamaram ambulâncias e trataram de acalmar as pessoas. Um deles passou 10 minutos a sossegar a minha filha, que chorava convulsivamente, evitando assim, esperemos, que ela passe a ter medo de fardas. Eu fui atendida, ao que me parece, por um polícia à paisana, que me atou os dedos e me levou à ambulância.


Fui para o hospital com o rapaz do golpe na cabeça, mas não sem termos levado com um rio de insultos dos polícias de intervenção que pretendiam justificar a sua acção. Os comentários foram tão baixos que me custa repeti-los. E não pararam ali. Ainda detiveram uma senhora dos seus pelo menos 70 anos e que nada tinha a ver com a acção, só protestava a actuação da polícia. O rapaz do golpe foi detido no hospital por cinco agentes, por injúria (tinha pedido ainda no local a um agente para se identificar, depois de ter assegurado que se identificaria também. Só o comandante da 2ª divisão acabou por se identificar, mas não deu mais que este título). Meio zonzo, acabado de ser suturado, o pobre rapaz teve que se sujeitar a ser revistado, algemado e levado, com a cara aterrada, para a esquadra do Pragal. Devia ser muito perigoso para justificar tanta despesa. Ainda me pediu para ligar à mãe a dizer que hoje ia ficar com amigos, para ela não se enervar.


É assustador pensar que em Portugal se magoa peões para defender automobilistas que, trancados nos seus panzerwagens, não corriam perigo absolutamente nenhum. Ainda mais custa realizar que a polícia portuguesa não sabe ler situações, não distingue uma dúzia de jovens, mulheres e crianças rodeados por idosos e cujas armas eram tambores e flyers, de um grupo de terroristas com caçadeiras. Imaginem agora todas as possíveis situações intermédias. É legítimo não concordar com os argumentos dos cidadãos que resolveram celebrar a zona pedonal. Apresentem outros, discutam, cheguem a novas conclusões. Mas exprimir a discordância e o desconhecimento de eventos coloridos, tão comuns noutras cidades da Europa, com violência misturada com um desprezo que roça o ódio, é descer às profundezas da ignorância. Coloca o relógio 50 anos para trás. Fere-nos como civilização.


Apesar de ser fácil desanimar quando se é envolvida numa situação de tão profunda injustiça, fácil também ganhar medo em exprimir a nossa opinião. Eu recuso-me a ser vítima da intolerância. Por isso escrevo este post, partilhando a má experiência com quem quiser ouvir, apresento as queixas que tiver que apresentar e sigo caminhando, com a mesma intenção de ser útil aos outros e de desejar a sua e a minha felicidade.


Lanka Horstink

Está caladinho, senão levas no focinho!

Sexta-feira, 13 Março 2009. Três activistas do MUT – Movimento de Transportes da Área Metropolitana do Porto, foram condenados no Tribunal do Bolhão (Porto) pelo simples facto de não terem avisado atempadamente as autoridades para a realização de uma marcha nos Aliados ao Governo Civil em 2007. A marcha decorreu pacificamente pelo passeio, sem incidentes, e sem "perturbação da ordem pública" mas no final três pessoas foram identificadas pela polícia para mais tarde serem acusadas de desobediência... Perante uma sala cheia de cidadãos solidários com os três arguidos, o Juiz não teve qualquer contemplação e condenou-os ao pagamento de quantias entre os 540 e os 450 euros pelo crime de desobediência qualificada, por não terem cumprido todas as formalidades associadas à promoção de uma manifestação. O próprio Ministério Público tinha pedido, nas suas alegações finais, a substituição da pena de multa por uma simples admoestação! O Juiz fez ainda questão de refutar qualquer comparação com as manifestações de adeptos de futebol na baixa do Porto, por considerar que esse tipo de manifestações são espontâneas e impossíveis de prever. Mesmo sendo por vezes bem violentas. Três cidadãos que "cometeram o crime" de lutar pela melhoria da qualidade da sua cidade foram condenados pelo simples facto de terem entregue fora do prazo a informação da realização da acção no Governo Civil! Na mesma cidade onde, por exemplo, grupos de estudantes universitários organizam durante vários meses concentrações em espaços públicos e marchas ruidosas pelas ruas (a qualquer hora do dia e da noite sem qualquer comunicação ao Governo Civil), onde humilham, à vista de todos, outros estudantes (caloiros), vandalizam o espaço público e deixam atrás de si um rasto de lixo, perante a cumplicidade das autoridades...


Quinta-feira, 26 Março 2009. Os visados apresentaram, no Tribunal do Bolhão, a contestação à condenação pelo crime de desobediência qualificada por terem participado numa marcha por mais e melhores transportes públicos para o Grande Porto.


mruim.blogspot.com

SEF processa activistas

Julgamento transitou para S. João Novo

O julgamento esteve marcado para 5 de Dezembro passado, nos Juízos Criminais do Porto – Tribunal do Bolhão, mas um arguido, ausente no Brasil, faltou por não ter sido notificado. Adiado para 28 de Janeiro, transitou, oito dias antes, para o Tribunal de S. João Novo, por ter sido alterado entretanto o enquadramento penal da acusação. Os acusados são quatro activistas sociais, de duas associações portuenses (Terra Viva e Espaço Musas) e de duas associações de imigrantes (Essalam, associação de imigrantes magrebinos e Aacilus, de imigrantes brasileiros). Acusação: difamação agravada ao SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).


Foi em Junho de 2006 que estas e outras associações promoveram uma conferência de imprensa e uma manifestação de luto, nas quais exigiram a demissão do então director da delegação do SEF do Porto, responsabilizando-o moralmente pelo suicídio do imigrante paquistanês Ahmid Hussein. Fazendo eco da denúncia de elementos da comunidade paquistanesa, Ahmid Hussein, há cinco anos a viver e trabalhar em Portugal, encontrava-se em estado de depressão depois de ver o seu pedido de renovação de autorização de residência recusado por aqueles serviços por não perfazer o rendimento mínimo anual exigido (então, cerca de 5 400 euros).


O SEF não gostou e moveu uma acção contra quatro promotores da conferência de imprensa e manifestação. Teme-se que o processo – que acaba de subir de “instância”, por decisão da juíza responsável – faça parte de uma estratégia para atemorizar os trabalhadores imigrantes em Portugal e aqueles que com eles se solidarizam na defesa dos seus direitos, cada vez mais limitados e burocraticamente dificultados e inviabilizados, ao contrário dos discursos oficiais que anunciam que "os imigrantes são bem vindos" e é desejável a sua "integração social crítica".

Solidariedade11novembro

Vinte pessoas foram detidas, no passado dia 11 de Novembro, em quatro locais de França – Paris, Rouen, no Este, e numa pequena aldeia do centro chamada Tarnac, onde algumas moram numa quinta comunitária –, na sequência de uma operação policial com 150 polícias antiterroristas, um helicóptero, cães-polícias (e também dezenas de jornalistas). Dez ficaram detidas para interrogatórios. Nove foram acusadas, sem provas, de "associação de malfeitores" e "terrorismo" por alegadas sabotagens nas linhas do TGV. Duas ficaram em prisão preventiva, uma das quais permanece hoje detida, Abril de 2009, tendo a outra sido libertada em 16 de Janeiro, por falta de provas.


A questão de Tarnac não é um erro judicial. Não apenas, pelo menos. É uma ilustração, a mais flagrante por ser a primeira, daquilo que se tornou a lei no momento do antiterrorismo. Onde o estado de excepção deixa de ser uma profecia para se tornar efectiva e visivelmente o regime em que vivemos. E claro que o facto de serem acusados de "terrorismo" faz parte de uma estratégia estatal para os isolar e os separar do resto da sociedade. Quem deseja apoiar pessoas que querem espalhar o terror? É, também, uma maneira de alimentar ainda mais o medo estrutural relativamente ao mundo do Capital e de aparecer como o único protector. "Não tenham medo dos terroristas (ou dos imigrantes, dos jovens, dos sem tecto, dos ladrões…), estamos aqui para vos proteger", diz o Estado. Nos tempos actuais, quando a democracia já não faz sonhar muita gente, perante a ideia de que o principal objectivo da vida é trabalhar e comprar mercadorias – o que já vem a ser questionado tanto na teoria como na prática – quando a crise já não é só económica mas também ecológica, ética, social – para usar o vocabulário da sociologia – e parece cada vez mais incontrolável, o Estado tem de apertar o controlo das pessoas à sua volta.


Por toda a França e noutros países, foram criados comités de apoio a Tarnac: www.soutien11novembre.org. Objectivo: não deixar esta questão cair no esquecimento, para que sejam reavaliadas as acusações e também para que seja libertado quem ainda se encontra preso.

Anarquistas saqueiam supermercado

Santiago de Compostela, Espanha. Na manhã de terça-feira, 24 de Março, um grupo formado por uma dúzia de anarquistas saqueou um supermercado da rede GADIS, situado no Campus Norte, na cidade de Santiago de Compostela. O grupo encheu cerca de uma dúzia de cestas de compra de numerosos produtos e marcharam sem pagar; em seguida repartiram os objectos expropriados entre as pessoas que se encontravam nas imediações daquele estabelecimento comercial.


Segundo o grupo, “estas expropriações de produtos de primeiras necessidades têm como fim espalhar este tipo de acção entre a população, demonstrando que o roubo é fácil, divertido e consequente, como formas de lutas anticapitalistas”. Explicam: "Com essa acção também queremos questionar a mera existência da propriedade privada da forma mais coerente que conhecemos, ou seja, expropriando e saindo pela porta sem pagar e distribuindo para quem queira”.


Abaixo a sociedade espetáculo-mercantil!

Anarquistas culpáveis de solidariedade!


Agência de notícias anarquistas

Borboleta voando

No canto da cozinha

Alegra a minha vida.


Amanda Havresko Kutyna


Responsáveis do Pirate Bay condenados a prisão

Partilha de ficheiros

Quatro responsáveis do site de partilha de ficheiros Pirate Bay foram condenados, a 16 de Abril, a um ano de prisão e pagamento de elevadas indemnizações, por “violação da lei sobre propriedade intelectual”.


As indemnizações atingem 2,7 milhões de euros, a pagar a empresas internacionais da indústria discográfica, do cinema e dos jogos de vídeo, que exigiram 10,6 milhões de euros como compensação por receitas perdidas devido aos milhões de ficheiros descarregados através do site. Os quatro deverão recorrer da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância de Estocolmo, de acordo com a agência noticiosa sueca TT.


Criado em 2003, The Pirate Bay tem perto de 22 milhões de utilizadores em todo o mundo, permitindo-lhes encaminharem-se para os ficheiros que procuram sem que estes estejam guardados em nenhum dos seus servidores.

26 de Abril

A 25 de Abril celebramos a liberdade. Pela primeira vez em muitos anos, saímos à rua sem medo. Éramos homens e mulheres livres e nessa noite sonhávamos homens e mulheres novos porque nasceriam livres.


A 25 de Abril celebramos a liberdade. Uma liberdade cuja consciência prática, alicerçada nas limitações experimentadas quotidianamente por homens e mulheres, motivou o apoio popular massivo ao golpe de Estado de há 35 anos. Uma liberdade que nos dignifica enquanto seres humanos, inerentemente falível, mas cujo propósito principal consiste na aventura maravilhosa que seria tentar construí-la juntos. Uma liberdade de todos.


A 25 de Abril celebramos a liberdade. E é inegável que, passado todo este tempo, o admirável Portugal novo se vê confrontado com os mesmos vícios autoritários, intolerâncias culturais e estratificações sociais do tempo da ditadura. Confesso alguma dificuldade em falar da data em si, que não vivi, e dos acontecimentos “políticos” que se lhe seguiram, cujas implicações era demasiado novo para compreender. Conheço a História, ou pelo menos a parte que não submergiu na turbulência daqueles tempos, e cresci sempre com a sensação de que tudo aquilo era um assunto arrumado, um daqueles momentos embaraçosos que ninguém na família tem muito interesse em remexer.


Pois todos sabemos que a liberdade apregoada não é mais do que uma pálida imagem da outrora sonhada. Apresenta-se como uma espécie de valor adquirido e inquestionável, mas apenas porque é fundador de uma determinada visão do mundo e da sociedade. É a liberdade do mercado e da mercadoria, uma liberdade estilhaçada em milhares de fragmentos concorrentes e mutuamente exclusivos. No geral, está garantida quando ”vivemos” empacotados nas periferias de grandes cidades, sujeitos a ambientes, ritmos e estilos de vida desumanos, constantemente empurrados para criar um futuro que receamos, numa busca incessante por inúmeras coisas imprescindíveis, que não temos tempo para pensar se de facto queremos, mas entre as quais podemos, sem dúvida, escolher “livremente”.


A 25 de Abril celebramos a liberdade. Os arautos desta democracia comemoram a data de forma quase religiosa – com locais sagrados, galerias de santos e retórica de fé, o que devia ser suficiente para nos pôr de sobreaviso. E quem, por estes dias, ousar passear-se por uma dessas manifestações oficiais, e prestar atenção às pessoas mais do que às palavras, não pode deixar de notar que nada, daquela primeira faísca libertária que fez tantos acorrer à rua para apoiar os que afrontavam a velha ordem e o velho mundo, se vislumbra agora entre os que o rodeiam. Une-os apenas uma sensação estranha mas nítida de mágoa, um sentimento de perda, de traição, como se aquilo porque tanto lutamos e sofremos se tivesse virado contra nós próprios, no fim.


Porque a 25 de Abril celebramos a liberdade. E na manhã de 26 acordamos presos outra vez.


Cravos há muitos ó democratas... E Revoluções?