O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008





sábado, 8 de novembro de 2008

Índice

O Pica Miolos


Os encontros da galinha

Marquês em festa

Por um mundo mais justo

Uma biblioteca esquecida

Ocupa-se

A corrente parou o rio

Os negócios imobiliários de Rui Rio

O que fazes aqui?

Cinema Comunitário

Estamos em guerra. A verdade é que estamos em guerra

Ya basta!

Uma horta no centro do Porto

Seria a laranja transgénica?

Vem aí a terceira edição do Copyriot

Um outro lado da humanidade

FIDAR: um caso de resistência

Oficina activa

...Sobra-lhes tempo!

3 anos depois

Colhões de gato

O karma que (des)culpa tudo ou se for sair para ser violada, não beba

O Pica Miolos foi à feira

Parabéns C.O.S.A.

A vizinha não se queixou deste barulho, mas também não ouviu Mário Viegas.mp3

O Pica Miolos

Começou por ser uma folha com opiniões e notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente, seguindo critérios necessariamente tendenciosos, como todos os critérios editoriais de todos os media que se dizem imparciais. Continua o mesmo, seis números depois, se bem que tenha mudado de formato, inclua mais produção própria e o registo do que se passa na CasaViva.


Os concertos dominam a actividade, daí este A Vizinha não se queixou deste barulho.mp3, o segundo cd legal editado sem autorização das bandas que actuaram desde Agosto de 2007. Mas a CasaViva não é só música. Então, que fazes aqui? Podes ver cinema comunitário, assistir a Abbadon, apoiar o movimento zapatista, informares-te sobre transgénicos, trabalhares na horta, preparar o terceiro Copyriot, participar na oficina activa ou difundir o apelo à abstenção. Enquanto isso, damos voz à resistência dos operários da Fidar, aconselhamos Bab Sebta, lembramos Jean Charles de Menezes e denunciamos o karma que (des)culpa tudo. E quanto valem os colhões de gato?


Em Maio, o Pica Miolos foi a Lisboa, à Feira do Livro Anarquista, e, em Outubro, a COSA celebrou oito anos. Antes disso, as galinhas juntaram-se em dois encontros: na Primavera, para dar resposta ao apelo da rede europeia Squat.net, para acções descentralizadas de defesa de espaços ocupados e autónomos; e no Verão, para insistir no mesmo e chamar a atenção para a biblioteca infantil há anos fechada no jardim do marquês.


No espírito dos encontros da galinha, a corrente parou a destruição do Bolhão que o Rio queria e condenamos os negócios imobiliários que ele encobre, mantendo-nos a participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica e bem comportada, demonstrando de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

Os encontros da galinha

Surgiram da necessidade de dar treino de conjunto às várias sensibilidades anti-capitalistas portuenses que andavam dispersas. A base era cada um aportar ideias onde todos pudéssemos caber. Não se pretendia a revolução para o dia seguinte. Achava-se, apenas, que era importante estarmos juntos, partilhando refeições, alegrias e disparos de adrenalina. E, porque não, desenvolver um certo espírito de vezeira, em que cada um se sente mais comprometido a estar atento ao que os outros fazem.

Talvez este seu aspecto nebuloso, esta aparência caótica onde nem os objectivos aparecem bem definidos, seja a razão, mas a verdade é que a estes encontros nunca apareceu ninguém muito distante da área libertária, apesar de nenhum dos convites para os quatro encontros já realizados alguma vez ter balizado as coisas nesses termos.

É sintomático de que se está no caminho certo o facto de nenhum dos encontros ter sido organizado da mesma forma que os anteriores. A cada ideia feita é sempre colocado o filtro da prática. E isso é o máximo a que pode aspirar uma organização, o poder reinventar-se permanentemente, de forma a que os princípios em que se baseia e os sonhos a que almeja sejam mais importantes do que os dogmas que existem sobre como fazer para se chegar lá. O que aconteceu a 19 de Julho, no Marquês, foi o reflexo dessa evolução.

Há já algum tempo que, no Porto, não se tomava uma atitude tão publicamente confrontacional. Claro que já se tinha, por duas vezes, ocupado o Jardim das Virtudes, como tomada de posição em relação ao seu prolongado encerramento. Mas não é, nem de longe nem de perto, tão visível como ocupar a biblioteca do Marquês. E nós, aproveitando, claro está, o facto de há uns tempos estar aberta, varremo-la, limpamos-lhe os vidros, preenchemo-la e colocámo-la ao serviço dos descendentes do mesmo povo que ofereceu à edilidade o coreto do jardim, também ele com uma utilização vergonhosamente residual.

O que se conseguiu naquele sábado não foi coisa pouca. Incitamos à ocupação. Pusemos em causa o direito à propriedade. Trata-se de gritos que, no abstracto, são, normalmente, alvo de repulsa pela generalidade das pessoas. Mas, quando confrontadas com uma situação concreta, uma coisa que as afecta directamente, essas mesmas pessoas acabam por irradiar solidariedade. Tu a dizeres Tenho direito a ocupar o que está abandonado e a malta a responder Acho muito bem. Isto parece uma coisa fundamental e que deve ser colocada num dos pratos da balança, principalmente por todos quantos consideraram que se tratou apenas duma festa inócua.


O registo completo em:

osencontrosdagalinha.blogspot.com/2008/08/marqus-em-festa-traz-comida-para-uma.html

Marquês em festa

No sábado, dia 19 de Julho, decorreu uma festa de okupação do jardim do marquês - por dentro e por fora, uma vez que incluiu a Biblioteca Pedro Ivo, que desde há muito tempo está abandonada e a degradar-se, frustrando o direito dos cidadãos e moradores da zona a um espaço que lhes pertence e de que têm necessidade.


Conforme todos sabemos, avançamos por tempos difíceis. Os poderes centrais e autárquicos distanciam-se a passos largos das suas funções de organizadores da vida pública e dos dinheiros dos nossos impostos de forma a garantir direitos há muito adquiridos e que um a um vão sendo escamoteados.


Se direitos básicos, como o da saúde para todos, vão sendo liminarmente retirados, a educação, a cultura e o lazer são ainda mais objecto da aposta no lucro. Com o empobrecimento galopante da classe média, a propriedade privada vai-se concentrando nas mãos de cada vez menos e o poder político gere abusivamente a propriedade pública alienando-a para negócios privados de grupos económicos poderosos. Onde não há interesses económicos em jogo, mas simplesmente o direito dos cidadãos ao apoio estatal que traduza o retorno dos impostos, acumulam-se imóveis vazios, a degradar-se, as pessoas sem poder económico perdem o direito a viver em zonas históricas, a ter boas vistas, ruas limpas e seguras; crianças, idosos, deficientes e desempregados não têm onde nem como usufruir espaços gratuitos de lazer, onde se ocupem e convivam, de forma digna, saudavelmente lúdica e propiciadora do desenvolvimento e realização pessoal, da integração social, da felicidade, da qualidade de vida.


Considerando que o poder ocupa abusivamente, com o vazio e a degradação, espaços fechados ao público que deveriam estar abertos e a funcionar, e no intuito de alertar as pessoas para os direitos que lhes estão a ser negados, surgiu esta festa, cujo testemunho em vídeo se encontra em:

vids.myspace.com/index.cfm?fuseaction=vids.individual&VideoID=39494365

Por um mundo mais justo

Os portuenses há muito que começaram a abandonar a cidade. Às casas vazias, junta-se cada vez mais o espectáculo das estruturas comunitárias abandonadas. A cidade perde um pedaço do seu sentido cada vez que um local de encontro se transforma num sítio ao abandono. A Biblioteca do Marquês, por exemplo, é um espaço que encontramos vazio de cada vez que temos o prazer de atravessar o jardim. Só é possível manter as cidades vivas se as pessoas que nela vivem forem a pedra basilar de toda a sua estruturação. Uma cidade feita a pensar nos turistas pode ficar muito bem nas fotos digitais, mas não tem gente que se identifique com ela. Não tem alma.

Os poderes, que dizem que existem para nos representar, têm sempre dinheiro para tudo menos para o que nos parece, a nós cidadãos, o mais importante. Tudo o que é público, e, por definição, de toda a gente, acaba nas mãos de algum endinheirado. Quando não acaba ao abandono, como a biblioteca do Marquês.

Fazer o quê? Cruzar os braços e dizer que isto é mesmo assim? Ou lançar a discussão sobre quem tem direitos de usufruir do que é público e questionar o que é isso da propriedade?

Será que este espaço afinal é privado? E se assim fosse, estando vazio e sem utilidade, deveria ou não ficar ao serviço directo da comunidade? Razão da sua existência e da palavra cidade: viver em comum e nessa união concentrar recursos para um maior número de pessoas. E, se assim é, deveríamos ou não, aqui e em tudo o que tem a ver com a vida em sociedade, torná-lo recuperável e reutilizável por quem e para quem precisa?

Nós não queremos a biblioteca para nós. Queremos que não esteja vazia, sem utilidade. Passados tantos anos de abandono, até parece que a Câmara não programou qualquer ideia para este local. Achamos que, como em todas as situações, devem ser as pessoas que precisam de espaços para desenvolver projectos a reabilitar esses espaços, através, por exemplo, da ocupação do que está ao abandono.

Neste caso concreto da biblioteca do Marquês, talvez fosse útil aos jogadores de cartas, nomeadamente no Inverno. Ou talvez alguém a quisesse para sala de apoio à terceira idade. Talvez alguém precise de um local para desenvolver uma biblioteca infantil.

Nós só pretendemos dizer que a ocupação de espaços abandonados é uma das estratégias mais importantes da luta por um mundo mais justo. Afirmar que há uma variedade de coisas possíveis de acontecer que podem revitalizar este jardim. Lembrar que está nas mãos de cada um a transformação do conceito actual de sociedade, de forma a que as pessoas e o planeta sejam, efectivamente, as prioridades à volta das quais tudo se deve organizar. Lançar o alerta de que é tempo de acabar com o império do “lucro acima de tudo”. Chamar à ordem do dia o facto de os seres humanos não poderem ser meras peças da grande máquina de fazer dinheiro aquartelados em dormitórios suburbanos.


Uma biblioteca esquecida

A ideia de espaço público constitui a base da democracia enquanto prática do dia a dia. A democracia foi-se desvanecendo e o espaço público, onde as grandes questões eram alvo de decisão por parte das pessoas, foi destruído e “dividido” em fábricas e outros locais de trabalho, centros comerciais, clínicas psiquiátricas ou centros de dia. A vida passa, assim, a ser uma realidade baseada na incessante satisfação de necessidades e não na reflexão, no debate, no livre pensamento, na possibilidade e responsabilidade de decidir sobre o que nos diz respeito.

A cidade é o palco por excelência deste processo de privatização social da vida, em que o contacto com o próximo é cada vez mais determinado pelo que queremos pedir, pelo que precisamos, pelo que temos que dar, pelo que está escrito no contrato de trabalho, pelo que é definido pelas regras de boa educação, pelo que poderei vir a escrever no livro de reclamações. Não pela dupla vontade de exprimirmos a nossa individualidade e de recebermos a individualidade dos outros.

A criação de linhas de fuga e de resistência passou e passa pela organização de novas esferas semi-públicas de discussão e convivência, que funcionem fora da lógica dominante. É com base na ideia de que é possível criar enclaves livres, “mini-sociedades que vivam resoluta e conscientemente fora do amplexo da lei”, como diz Hakim Bey, que ocorrem, ao longo da década de noventa, ocupações de casas e tentativas de organização de centros sociais em Portugal. Apesar de ser um pouco redutor englobar todas estas experiências numa só tendência, podemos afirmar - em abstracto - que foram lugares propícios à espontaneidade e aos acasos da vida quotidiana, tendo possibilitado encontros com pessoas de fora, partilha de saberes, a oportunidade de fazer as coisas de uma outra maneira e, desde logo, equacionar modos de agir no mundo.

O aumento da repressão, aliado à crescente afirmação das cidades enquanto núcleos geradores de produtividade, determinou o fim de quase todos os centros sociais ocupados. Porém, este fenómeno é apenas um pequeno indício de um longo processo de transformação dos centros urbanos em centros de negócios. Casos como o do Mercado do Bolhão, no Porto, e do Grémio Lisbonense, em Lisboa, tornam mais visível a tendência dominante para o desaparecimento de tudo o que destoa do modo de funcionamento empresarial. Exemplos ainda de como, pelo abandono, os espaços públicos se tornam privados, passando a estar disponíveis apenas nos moldes definidos por quem tem dinheiro ou conhecimentos para os adquirir.


Um processo que poderá também ser o que decorre com a Biblioteca do Marquês, uma infraestrutura à espera de cair, esquecida por quem deveria tomar conta dela e fechada, de forma a que mais ninguém lá possa fazer nada.

Será assim tão dispendioso manter aberta uma ludoteca infantil, por exemplo? Ou será que, daqui a uns tempos, vamos todos acordar com a biblioteca nas mãos duma empresa qualquer que fará dela o que mais dividendo lhe der?

Hoje estamos aqui no jardim, ocupando um espaço que é também nosso mas que nos querem roubar, a lembrar que a cidade não é só para ricos e que toda a gente deve ter direito a cultura e diversão. Estamos aqui para dizer que, mais do que nunca, a ocupação e libertação de espaços deverá constituir uma das principais estratégias orientadoras da luta por um mundo mais justo.

Ocupa-se

Como o Porto respondeu ao apelo da squat.net

"Estamos aqui para dizer que a ocupação e libertação de espaços deverá ser uma das principais estratégias da luta por um mundo mais justo". A faixa na fachada da CasaViva apareceu já depois da meia-noite de sexta-feira, 11 de Abril. Antes de recolhermos para recarregarmos energias para o fim-de-semana de apoio às ocupações e aos espaços autónomos, depois de jantarmos e discutirmos o que havíamos de fazer em resposta ao apelo da rede Squat.net.

As ideias surgiram como ameixas: tentou-se coordená-las, dividi-las pelo tempo disponível, ultimar preparativos. Algumas seriam para realização imediata e dariam o mote para o que se seguiria, um fim-de-semana em que sensibilidades diferentes se uniam em torno de um mote geral, aportando formas variadas de o encarar. E formas variadas de o manifestar. Na rua, a caminho do centro da cidade, já a faixa se impunha na praça do marquês, alguns pintaram, um pouco por todo o lado: "desocupa o teu carro". Uns colantes "ocupa-se" seriam, durante os dois dias, colados em edifícios abandonados. Não se aluga... Não se vende... Ocupa-se. E houve ainda, claro, o Fankupa, o zine que se lançou nessa noite e que nos acompanhou até domingo. Há mesmo quem diga que ainda há uns exemplares pela CasaViva.


No sábado de manhã, o Sol e a chuva iam-se revezando. Há tempos, o Jornal Universitário do Porto (JUP) requereu à câmara municipal do Porto um lugar para estacionamento de bicicletas à porta da sua sede. A resposta foi o indeferimento, por se considerar que os automóveis merecem todo o espaço disponível. Aparentemente, houve quem achasse que a decisão não foi a mais acertada e decidisse tratar disso com as suas próprias mãos, uma cerca de jardim e alguma tinta. Acabava a manhã e o JUP tinha finalmente aquilo que tanto desejava.

De tarde, a merenda no Jardim das Virtudes soube-nos pela vida. Porque a fome apertava, porque as vistas eram soberbas, porque o tempo estava, finalmente, acolhedor e porque o jardim está fechado ao público e nós fomos lá tomá-lo. Desta vez não deixaríamos uma faixa. A outra tinha durado apenas um dia e queríamos fazer da nossa acção uma coisa mais perene. Ao lado do jardim há um lavadouro municipal em cujo tecto deixamos pintado "Virtudes Abertas Já!".

Regressados à CasaViva, houve ainda tempo para sorrirmos ao ver as imagens do que se passara nesse dia. Tempo ainda para que os visitantes de outras paragens geográficas pudessem ver os vídeos da nossa recente luta para manter o mercado do Bolhão público e para que todos nos pudéssemos educar mais sobre a questão da ocupação, com cinema temático.


No domingo, ocupamos o Jardim do Marquês com uma ludoteca que, mais tarde, se transformou em sala de jantar, no caso, para almoço. Protestava--se contra o abandono da ludoteca municipal do que causaram os sofás, as mesas, livros, jogos, telas para pintura, mesas e cadeiras em pleno jardim foi o álibi perfeito para muitas conversas com transeuntes que demonstraram uma aceitação muito boa, tanto da questão da ludoteca do Marquês como do facto de se estar a protestar. Foi ainda possível ver que a ocupação de casas devolutas não é um assunto tabu e que é facilmente compreendido por quem perguntava se tínhamos alguma coisa a ver com aquela casa que tinha as faixas. A todas as pessoas que se interessaram oferecemos um folheto onde se podia ler: "Hoje estamos aqui no jardim, ocupando um espaço que é também nosso mas que nos querem roubar, a lembrar que a cidade não é só para ricos e que toda a gente deve ter direito a cultura e diversão".

Num espaço que também é nosso, porque é municipal, e também deixado ao abandono, na Praça de Lisboa, dorme, desde há uns meses, um grupo de gente sem-abrigo que se organizou em movimento, a partir de um manifesto, o MASA. Jantaram na CasaViva na sexta-feira, ficaram de voltar na tarde de domingo para uma conversa com tempo, o que prometia fechar em pleno o

fim-de-semana. Por ruído na comunicação, a conversa foi adiada para depois do regresso de Fátima, para onde partiram em peregrinação no início de Maio, por se dizerem mais crentes no auxílio divino do que no apoio terreno.

O apoio terreno não prevê fachadas alteradas sem consentimento da câmara municipal e, apesar de não acharmos que se deva pedir licença para expor pensamentos, não nos apetecia pagar a multa pela respectiva ausência. Para além de que, depois de vermos dois polícias a copiarem para o papel o que estava na fachada da casa, foi óptimo pensar como os colegas os acharam esquizofrénicos quando por lá passaram e, afinal, não havia nada de anormal. Assim, recolhemos a faixa no final da tarde de domingo. Até à próxima oportunidade. Até breve.


osencontrosdagalinha.blogspot.com

A corrente parou o rio

Todas as cidades precisam dos seus mercados de frescos e o Porto não é excepção. Mas mais do que isso, como um organismo vivo, a cidade precisa dos pontos vitais que, à semelhança dos órgãos dum corpo, mantêm vivo e activo o seu fluxo de energia de vida.

O Bolhão é um desses centros, com memória, história que se constitui em alma, com carácter e cultura, com funções múltiplas que se desdobram em vidas e vidas, as vidas de dentro do mercado, as economias diversas que o alimentam, a quem o mercado alimenta, próximas, pequenas e familiares, espalhadas pela cintura campestre da cidade, ou mais longínquas... Bombando animação de estruturas antigas que conservam fazeres e saberes, o Bolhão apresenta camadas de significados, instâncias diversas da utilidade, actualidade, tradição e até raridade dos objectos que ali se oferecem a um público a um tempo antigo e novo, habituado ao conhecido ou fascinado pelo insólito...

Tudo isto tem uma riqueza humana e cultural imensa e incalculável em si mesma, para além da sua função alimentadora e reguladora de preços, e, por incrível que pareça, tudo isto esteve a um passo de ser eliminado em alguns dias “do diabo e retroescavadoras”, porque o actual presidente da Câmara resolveu ceder o edifício a uma renomeada empresa multinacional de cambalachos especulativos, a TramCroNe, que pretendia destruí-lo para fazer um centro comercial com habitações de luxo em cima e parques de estacionamento na cave.

E o inesperado aconteceu... A contrariar os últimos repetidos diagnósticos que lhe agouravam a morte em pé, a população do Porto acordou, uniu--se, criou uma plataforma popular a que chamou de intervenção cívica e que surtiu congregar em torno de si um movimento mais vasto de artistas e público em geral que em sábados de animação e festa deixaram bem clara a sua opinião, recolheram um número esmagador de assinaturas e encetaram acções jurídicas que, finalmente, depois da habitual atitude do “quero, posso e mando” de Rui Rio ao dispor do património portuense como se de propriedade sua se tratasse, obrigaram a Câmara a recuar, a denunciar o contrato e a reconhecer publicamente que entregar o Bolhão à TramCroNe teria sido um erro.

Um movimento destes não seria um movimento dos tempos actuais se não fosse aproveitado politicamente pela oposição de Rui Rio. Logo se fizeram sentir, por parte das chefias eleitas, os típicos tiques de privação da comunicação, os comunicados a informar que fizeram ou que assim se iria fazer, sem qualquer vislumbre de consulta à opinião da plataforma. Criticada, fez a chefia eleita saber que tinha sido eleita para isso, que o basismo é inimigo da acção, que importante é o objectivo comum, e não perder tempo com discussões inúteis, uma vez que já se sabe que a fazer há o que é preciso ser feito e as chefias eleitas sabem exactamente o que é preciso ser feito, enquanto os outros não.

Não querendo mais do mesmo, alguns colectivos e muitas pessoas, a título individual, abandonaram a plataforma. Pouco interessou às chefias. Têm sido até ao fim contados por elas como espingardas, quando interessa puxar de galões, neste caso de colectivos, na perspectiva de que um grama de imagem vale um quilo de desempenho.

Este desempenho, tão típico duma certa fauna política, deixou a quem lá andou a dar o litro nos primeiros e definitivos meses de luta um sabor amargo mas conhecido, o triste sabor do desencanto perante o oportunismo e a falta de ética que recorrentemente fazem as suas aparições nestes meandros da vida pública. Mas nada que amargasse definitivamente o doce sabor da vitória conseguida pela união duma população que acordou depois de anos de torpor e se mostrou capaz de dar uma boa luta pelos seus direitos, pela sua vontade e pelo seu património.


O Bolhão está ainda mais decrépito, a coisa não está solucionada, ainda muita tinta vai correr sobre este assunto, mas a cidade está hoje mais rica, precisamente porque agora conta na sua memória colectiva com este reforço da sua a capacidade de organizar-se e sair em defesa dum bem comunal, que ainda sabe que é seu.

Os negócios imobiliários de Rui Rio

Empunhando cartazes dizendo-se “cansados de ser discriminados” e gritando “Rui Rio cabrão, só vês o cifrão”, cerca de 50 moradores do Bairro do Aleixo manifestaram-se em frente à Câmara Municipal do Porto (CMP), no passado dia 22 de Julho. Era terça-feira e, no interior do edifício, o executivo camarário aprovava, com os votos favoráveis da coligação PSD/CDS e também do PS, o projecto para a demolição do bairro. No exterior, outros cartazes acusavam: “Rio exterminador social”. No mesmo espaço, cerca de duas dezenas de agentes policiais, quase um para cada duas pessoas. Rio, o mesmo que, em campanha eleitoral para o primeiro mandato, contestou a demolição, tem medo dos pobres, pelo menos quando é apanhado a mentir-lhes.

No final, decidiram avançar com uma providência cautelar, que pretende suspender o processo até que haja uma reunião do executivo com os moradores, para se tentar encontrar uma solução de consenso. Há, como veremos, ideias e projectos alternativos. O que não há, porque se trata do unilateral Rui Rio, é a vontade de consultar as pessoas que serão afectadas pelas resoluções da CMP.


No Bairro do Aleixo, vivem cerca de 1300 pessoas. A população destas comunidades é socialmente desfavorecida, coexistindo inúmeros factores sociais de risco. Os níveis de escolaridade muito baixos, aliados à fraca qualificação profissional, ao que se junta os números de desempregados e as famílias numerosas que convivem em espaços exíguos, para além do abandono estrutural por parte do senhorio, criam um verdadeiro armazém explosivo de renegados desta sociedade. Neste bairro, o carácter de rua como praça desaparece como elemento estruturador e gerador do espaço urbano no sentido tradicional. Os espaços abertos são em geral incaracterísticos, desconfortáveis e principalmente dados à posterior marginalização.

Tudo o que possa implicar a manutenção daquelas pessoas naquele local, entre a Rua do Campo Alegre e a marginal do Douro, com vista de postal e rodeado de condomínios de luxo, não interessa a Rio. O que ele pretende é deslocalizá-las, retirá--las das suas casas e enviá-las para outras zonas da cidade que ainda não se sabem quais são. O edil, se já se demonstrara avesso à ideia de direito à habitação, revela-se agora completamente alheio ao direito ao lugar. Os pobres não têm direito a boas vistas. Ponto final.

Se bem que a humanidade ainda não tenha percebido que não se pode organizar em ricos e pobres, as cidades há muito já deveriam ter entendido que não se devem dividir em zonas de empacotamento de indesejáveis e áreas de usufruto de privilegiados. No entanto, o Porto, com este Rio ao leme, vê, na demolição do Aleixo e nas palavras do geógrafo Rio Fernandes, uma “oportunidade de juntar pobres a pobres e ricos a ricos, promovendo uma assimetria social, uma dualidade, que pode resultar, como já aconteceu noutros países (Brasil), num aumento de violência”. Veja-se ainda o exemplo de Bruxelas, uma cidade dividida a meio onde a norte do centro só habitam imigrantes e classes sociais desfavorecidas e a sul só habitam classes sociais ricas, membros da comissão europeia, etc. A sul tem espaços públicos de luxo, grandes avenidas, grandes parques. A norte nem a recolha diária de lixo fazem! Ou seja, ao mesmo tempo que apregoa uma mudança no paradigma de habitação social, Rio circula na mesma lógica.

As 1300 pessoas que vivem nas cinco torres vêem o seu futuro ameaçado com o novo projecto da autarquia. A preparação para a mudança começou através de uma carta enviada pelo «senhorio» das habitações, a empresa DomusSocial, E.M.. A carta dava conta aos moradores do bairro da situação precária em que vivem e da necessidade de mudança, afirmando sempre que o diálogo será uma constante. «Iremos dialogar com todos os moradores ao longo de todo esse tempo», diz o comunicado, anunciando uma decisão sem consulta prévia.

De acordo com o plano vertido, a autarquia, através de concurso público, escolherá um parceiro privado para a criação de um Fundo Especial de Investimento Imobiliário (FEII), que ficará com o espaço do bairro social, avaliado em cerca de 13 milhões de euros, onde construirá habitação de luxo. Como contrapartida, a entidade privada irá construir de raiz ou reabilitar habitação devoluta e degradada na Baixa do Porto, na zona histórica e noutros pontos da cidade.


Esta será a pedra basilar da propaganda autárquica nesta questão. A demolição do Aleixo será, daqui a uns tempos, igual a reabilitação da baixa. Com o tempo, veremos que os “outros pontos da cidade” ganharão à zona histórica e à Baixa do Porto. Para já, reconheço, trata-se apenas de especulação minha. Como o será o facto de acreditar que uma percentagem muito razoável das pessoas não serão realojadas, no espírito do que aconteceu no Bairro S. João de Deus, onde o pre­sidente da CMP, de decreto salazarista na mão, bradou que se tratava de gente que utilizava a casa para fins ilícitos, nomeadamente o tráfico de droga. Uma justificação decente, podemos ser tentados a pensar, se não tivermos em conta que não decorre duma decisão judicial, antes dum convencimento do edil.

Lembremo-nos do S. João de Deus, vulgo Tarrafal, por se tratar duma situação similar. Talvez por se situar no extremo oriental da cidade e de, como tal, os seus terrenos não serem tão apetecíveis para a especulação imobiliária, o processo de demolição deste bairro ainda não acabou. Neste momento há blocos habitacionais fantasma onde, convenhamos, as ilicitudes ganham novas asas. As pessoas que ainda lá vivem estão mais esquecidas que nunca. Isso não se passará com o Aleixo, que a empresa que fizer parceria com a Câmara não vai deixar de querer rentabilizar esta oportunidade o mais rapidamente possível. O que, por outro lado, se repetirá é a partida dos problemas que lá existem para outros lados, não o seu desaparecimento. Perguntem no Bairro do Cerco, no Machado Vaz, no S. Roque da Lameira ou no Lagarteiro se as coisas estão melhores agora ou antes da demolição do Tarrafal. Para a existência de situações problemáticas, Rui Rio apareceu com a panaceia da demolição. Os factos comprovam que está errado.

E há, como já se disse, projectos e ideias alternativas. Por exemplo, um projecto criado pela arquitecta Ana Lima, que, baseado num modelo francês de recuperação de bairros sociais, consegue tornar a reabilitação mais barata do que a demolição e mais proveitosa também em termos sociais, porque a solução não implica o realojamento da população. Mais espaço, luz e uma melhor disposição interna são apenas alguns dos pontos abordados por Ana Lima no seu projecto de licenciatura, que lhe valeu uma menção honrosa na sexta Bienal Ibero-Americana de Arquitectura e Urbanística. As paredes degradadas, que tendem a deixar cair pedaços sobre quem passa na rua, seriam substituídas por fachadas modernas; a criação de amplos halls de entrada, a duplicação dos elevadores e profundas alterações na cave, que passaria a dispor de lojas com acesso ao exterior, mudariam a cara do Aleixo e permitiriam demonstrar uma real preocupação com o espaço e a comodidade dos habitantes. Deparou-se com falta de informação e pouca colaboração, por parte da câmara, na altura em que realizava o projecto.

Há, claro, quem diga que o problema se coloca, desde logo, na escala, na falta de desenho urbano. E que a solução passa pela demolição das torres e posterior reconstrução, no mesmo local, de outro tipo de habitação social, aproveitando os cerca de 36 mil metros quadrados (dos quais apenas seis mil estão ocupados com habitação) e construir um novo bairro, para quem quisesse lá ficar, com uma estrutura diferente, que se adaptasse à quantidade de famílias que permanecessem na zona.Mas não. Rio já decidiu, está decidido. As torres vão abaixo e, mais retórica menos retórica, um espaço que é municipal, público, da comunidade, vai parar às mãos de privados.

O que fazes aqui?

O que estás aqui a fazer? Desprezas aqueles que consomem merda conservadora nessa televisão orientada para que sentes o cu em sofás plásticos e recebas cultura servida pelos apresentadores de modas. Então, que fazes aqui? Odeias os teus pais, o teu chefe, os teus professores. Odeias os seus valores e ambição. Tudo neles cheira mal. Fazem da tua vida algo sangrento e fora de controlo. Pensas que podes escapar fazendo crescer o cabelo, usando drogas, partindo vidros de carros, ou vindo em bando a concertos grátis. Reflectes sequer sobre o que aqui acontece, naquilo que é aqui dito e feito? Ou vens só para uns saltos e copos? Portanto… que fazes aqui?

Não compreendes que isto não é diferente daquilo que detestas? Escolhe. Noites nos bares, entretenimento televisivo, cultura de museu, missa dominical: é tudo a mesma merda. Mal te sentas, estás atolado do pescoço para cima. Queres ser livre, mas não podes. Não enquanto souberes que amanhã terás que voltar ao sistema do qual tentas fugir. Não até que destruas em ti o sistema, a autoridade, o dinheiro, a moral de rebanho e o poder.

Que diabos estás a fazer aqui? Tens que cá vir para escapar ao aborrecimento repetido todos os dias nas escolas, trabalho, chefes, pais, políticos? O sistema rodeia-te e diz-te o que fazer? Controlas a tua vida? Não ficas fodido com esta hipócrita e repressiva sociedade louca que te força a agir à sua maneira? Que pensas fazer sobre isso? Que fazes aqui? Ages? Ou ficas a assistir?

Que fazes aqui? De que te serve este espaço? Não tens outra forma de te afirmar? O mundo gravita em volta de ti e como pretendes exercer a tua liberdade? A fazer moche?

Entendes que, no dia em que decidas juntar-te a outros que pensam de forma crítica, os grandes tremem? Que o mundo não é perfeito, mas que também não está simplesmente sentado à espera que o alteres a teu bel-prazer? Queres conquistar a tua liberdade ou deixar que uma suposta liberdade te seja servida a um preço módico, a prestações, como as jornadas do futebol? Não faltam razões para a revolta, mas porquê revoltares-te a propósito de nada e só pela simples razão de ter a liberdade de ser humano nesta casa? Quando te tirarem essa liberdade, que vais fazer? Procurar outra CasaViva? Bem podes procurar, não há outra CasaViva. Não enquanto não houver vontade de a criar dentro de cada um.

Os isqueiros de criança assustam-te ou dão-te vontade de acender nas calças dos que mandam? Aqui não se manda, nem se quer fazer obedecer. Não devia ser preciso pedir-te que te comportes racionalmente. Não devia ser preciso implorar-te que sejas activo na mudança para uma sociedade diferente. A nossa.

O que fazes aqui?

Cinema Comunitário

Que estranha situação é viver numa grande cidade europeia e não poder ir ao cinema. É verdade que Gaia e Matosinhos é mesmo aqui ao lado, mas não vamos entrar por aí. É-me incompreensível sobrarem apenas dois locais na cidade onde posso ver cinema. Por todo o mundo se fala na necessidade de prescindir do automóvel, mas no Porto de Rui Rio temos de atravessar a “fronteira”, de carro, para ir ao cinema.

Foi a partir deste ponto ridículo que surgiu a ideia de organizar um ciclo contínuo de cinema para a comunidade. Aproveitando o facto de que já existia um centro social autónomo na cidade, com bases e infraestruturas organizadas, não foi difícil dar asas ao projecto. A ideia, pela sua simplicidade, não opôs grandes obstáculos. Cada mês um filme, todas as primeiras terças-feiras de cada mês. Em questão de semanas passávamos o primeiro filme e depois foi sempre andar. No início apareceram meia dúzia de caras pintadas, mas hoje já se contempla promover o ciclo de cinema comunitário para o salão nobre da CasaViva.

Sendo a CasaViva um local dedicado à expansão do conhecimento e cultura, a selecção de filmes tenta corresponder às necessidades intrínsecas de tal condição. Até agora foram privilegiados os documentários de produtoras alternativas, debatendo variados temas como os media, ambientalismo, as grandes mobilizações internacionais e história. Mas a longa lista de filmes para as futuras sessões inclui muito mais, como por exemplo obras de ficção e até mesmo alguns blockbusters, pois até de estrume é possível tirar algum proveito. Só faltam mesmo as pipocas e os bilhetes. Mas como o milho é transgénico e vender bilhetes equivale a roubar, não nos vamos exceder.

A recepção tem superado todas as expectativas, principalmente porque estas eram nulas. Não é só o número das audiências que tem vindo a crescer progressivamente, mas a participação vem ganhando novas cores de mês a mês. Expandiu-se o espaço virtual para a troca de ideias, experiências e vontades, chegando mesmo a ser um novo, a juntar-se a outros, ponto de partida para novas acções e iniciativas.

Por esta mesma razão, o cinema comunitário é muito mais do que uma sala de cinema. Preenche um vácuo na sociedade que há muito pedia para ser completado. O grande objectivo é que estas sessões passem a ser ainda mais frequentes, mais completas e eficazes. A organização de debates depois de cada filme; a presença de cineastas para apresentarem as suas obras; estreias exclusivas de novos filmes; apresentação de um mini boletim de vídeo com acções por esse mundo fora; etc., são tudo ideias que em breve esperamos desenvolver. Para isso, será necessário uma maior participação de todos aqueles interessados e são bem vindos todos os que nele quiserem participar, que nele quiserem pegar, que dele quiserem usar e até certo ponto abusar.

Portanto entra em contacto com a CasaViva ou vai ao cinemacomunitario.blogspot.com. Traz ou propõe filmes, ideias e alguma boa vontade.

Enfim, faz do cinema da tua comunidade o teu cinema.

Estamos em guerra. A verdade é que estamos em guerra

ABBADON

Estamos em guerra com o simples facto de serem não os vencedores mas sim os burgueses que escrevem a história do nosso tempo. Ou antes, que se inscrevem na história, como se fosse por pacotes ou acções ou comparticipações. Estamos em guerra com a burguesia. Estamos em guerra com a falta de mérito, estamos em guerra com a falácia, com o embuste, com a ignorância encapotada de cultura. Estamos em guerra com o grande choque entre o que se diz e o que se faz; estamos em guerra com quem tem dinheiro, e estamos em guerra com quem se lamuria de não o ter; estamos em guerra com todo o baby boom de criadores auto-fecundados em geração espontânea, para quem a arte começou agora e com eles; estamos em guerra com o meu estilo, os este vai ser um projecto transversal, os pluris isto e pluris aquilo; estamos em guerra com carradas de gente que até mete impressão.

Estamos em guerra e isto não é brincadeira. Estamos em guerra e, como estamos em guerra, a única coisa que podemos fazer é servir-nos ou de uma grande raiva ou de um grande amor. Ou de um ou de outro. Às vezes dos dois. Muito raramente dos dois. Estamos em guerra e Abbadon é uma peça que está num dos lados das trincheiras. Está no lado em que ninguém quer estar. Não está nas folhas de serviço ou de pagamento de lado nenhum, não está senão na trincheira onde mora a tenacidade. Está com a guerrilha. Isto se Abbadon não for, afinal, a própria guerrilha. Algures, escondidos dos olhares das gentes, sem desistir nunca.

Conta-se que os guerrilheiros vietnamitas, nos ataques a alvos americanos, para passar por arame farpado não usavam camisa pois isso os prenderia, atrasaria. Preferiam ferir a carne. Abbadon está neste plano. Prefere ferir a própria carne para chegar aonde quer.

Esta peça, por ser tudo o que não se vê hoje em dia, é tudo o que faz a diferença, é uma ponta de lança no terreno pantanoso de ignorância - e às vezes ignomínia - em que estamos. Não há esperança nenhuma que isto melhore, pelo contrário. Mas pode haver fé. E Abbadon é um renovar da fé no teatro. Um sólido, forte, rigoroso manifesto de fé, de raiva, de humor, de técnica, de sobrevivência.

Abbadon é uma peça feita por uma actriz só. Mas Abbadon não é apenas uma peça feita por uma actriz só, é outra coisa. Porque tem construção em cada momento; porque tem, ao contrário de desleixo, rigor físico; ao contrário de auto complacência, determinação; ao contrário de vamos experimentar uma ideia que tou a ter, exercício pleno das possibilidades do corpo, da voz, da emoção e da imaginação de uma actriz.

Não é uma peça fácil mas há alguma outra peça que seja tão exigente para com o público por o ser consigo mesma?

Enfim, uma peça a sério. Uma peça em que a iconoclastia e a escatologia ombreiam com a auto exigência; em que o esforço não compactua com o masoquismo; em que há justeza de proporções em todos os momentos, tão cruamente apresentados, próximos, chocantes, mas nunca gratuitos. Porque Abbadon vende-se muito caro.

Enfim uma peça em que o humor e o sarcasmo estão lado a lado de uma construção, de uma verdadeira resposta ao mundo. Finalmente uma franqueza de emoções, ao lado de um enorme mosaico de recordações, invocações e situações fragmentadas de que o texto fala. Enfim uma peça que não fala senão numa torrente de palavras, que é o tema e ao mesmo tempo parte do discurso contínuo que vai acontecendo. Discurso de corpo, discurso de voz, discurso do texto, discurso da emoção, tudo às vezes junto e às vezes separado, paralelo, como numa polifonia, como numa auto-estrada com as suas várias vias, tudo a andar muito depressa, muito forte, muito urgente, muito a saber precisamente para onde vai. Por baixo por cima e por todos os lados de qualquer arame farpado, dentro e fora da actriz.

Nuno Meireles

jogodramatico.blogspot.com/2008/02/abbadon.html


Abbadon

Criação e Direcção: Hugo Calhim Cristóvão

Criação e Interpretação: Paula Cepeda Rodrigues

Texto original de: Hugo Calhim Cristóvão

Assistência e colaboração: Joana von Mayer Trindade

Uma criação NuIsIs ZoBoP


Regressa à CasaViva em Janeiro 2009.

Ya basta!

café zapatista no Porto

A cooperativa MutVitz, criada em 1997, cultiva o seu café biológico em Chiapas, Estado do Sul do México, uma das melhores regiões para essa cultura. Pretende, desde o seu início, combater as práticas injustas de comércio, em que os produtores de café têm que tratar com intermediários chamados “coyotes”, que fixam o preço do café e a forma de o pagar.

O cultivo do café não é a única actividade dos sócios. Também produzem milho, feijões… Mas a venda do café, sem dúvida o seu principal produto para venda, permite a compra de medicamentos e o financiamento de gastos de educação nestas comunidades, que não recebem ajuda do governo por serem território zapatista em rebeldia. A cooperativa de café MutVitz é, assim, um bom exemplo do nível de iniciativa das comunidades zapatistas e do seu compromisso em trabalhar respeitando os direitos indígenas e a dignidade humana.

Os zapatistas são um grupo indígena não violento que luta pelos direitos colectivos e individuais negados aos povos indígenas mexicanos: direito ao trabalho, à terra, a um tecto, à alimentação, à educação, justiça e paz. Muitos indígenas tinham investido na produção de café, nos anos 60-80, altura em que essa cultura teve um desenvolvimento importante. Com a crise dos anos 90 e a desregulamentação no contexto da globalização, muitos foram à falência. Essa crise e a supressão de um artigo da Constituição mexicana que garantia o carácter inalienável das terras colectivas, os “ejidos”, incitaram os agricultores a juntarem-se aos zapatistas. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) tornou-se conhecido pelo público em Janeiro 1994, data em que entrou em vigor o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), entre o México, os Estados Unidos e o Canadá. Este exército de alguns milhares de índios maias munidos de fuzis e com os rostos escondidos por um lenço ou um capuz (porque são qualquer ser humano e, ao mesmo tempo, representam todas as minorias intoleradas, oprimidas, explo­radas, que resistem) ocupou quatro localidades importantes do Estado de Chiapas. Disseram e continuam a dizer “Ya Basta!” à opressão e à negação dos direitos humanos. Lutam por via de acções simbólicas e golpes de comunicação, com escritos, diálogos com o exterior e com as declarações do porta-voz, o subcomandante Marcos. O movimento obteve, assim, o apoio da opinião pública.

O EZLN quer também a possibilidade de organizar as comunidades de um modo autónomo e independente, de acordo com a sua cultura (ao nível da saúde e da educação, por exemplo) e dum modo completamente democrático, uma vez que é o povo que toma as suas decisões sobre o que lhe diz respeito e não um chefe ou um governador que não conhece e não respeita o modo de pensar e viver dos indígenas.

Este movimento teve um eco mundial e há quem defenda que foi o tiro de partida do chamado movimento Alterglobalização. Colocou em cima da mesa da cena mundial toda uma série de possibilidades e exemplos que, longe de se converterem num modelo, são, hoje, uma referência para os excluídos do mundo globalizado, que viram na luta das comunidades indígenas em resistência uma esperança de mudança, novas formas de fazer política, credíveis, úteis, capazes de criar expectativas para os que nunca contaram, os sem voz, tanto nas aldeias índias como em todos nós que pensamos que há outras formas de entender o mundo.


Solidariedade com o movimento

Para já, não se pode falar de Rede de Distribuição. O que saiu das reuniões da CasaViva terá sido, antes, uma Rede de Consumo. Várias pessoas que se decidiram solidarizar com o movimento zapatista em geral e com a cooperativa MutVitz em particular. Por agora, o café será importado e comprado por intermédio do colectivo de solidariedade de Barcelona.




Contacto:

Delphine Armand

delphelfe@hotmail.com

Uma horta com couves, ervas aromáticas, maracujás, ervilhas, alfaces e grelos, em que os pesticidas e os fertilizantes artificiais estão banidos




























Dizia o outro que no princípio era o verbo. Há, ainda hoje, tantos anos depois do outro o ter dito, discussões sobre qual verbo seria esse e, houvesse casas de apostas, e teríamos um muito especial com uma cotação miserável de tanta gente o escolher. Mas anda enviesada, a discussão. No início não era verbo nenhum. Eram as silvas. Um emaranhado brutal de paus, folhas e picos, impossível de penetrar e que, nessa virgindade, se ia fortalecendo, fazendo com que os desbastes sazonais mais não fossem do que cócegas, salvaguardando todo o respeito por quem levava a cabo essa tarefa.


Que se lixe lá a trabalheira de acabar com o silvado, a gente tem espaço na parte de trás da nossa casa e não precisamos agora de aventuras no quintal do vizinho, cuja casa é, bem vistas as coisas, tão nossa como a nossa, entenda quem quiser. Mas algum iluminado achou que o nosso naco de terra era necessário para a própria casa e as suas paranóias culturais e políticas, havia que deixar a possibilidade de um cinema ao ar livre, tínhamos que pensar em que houvesse espaço para poder dissecar nazis vivos.


Nunca se viu filme algum lá fora e nenhum nazi nos deu o prazer de uma visita, mas, como sempre acontece quando há iluminados, a malta foi toda atrás da sua luz e, de repente, as silvas transformaram-se em pencas, os vidros da estufa destruída pelo tempo de abandono tornaram-se alfaces e já damos por nós sem ter que fazer compras para a sopa. Nada nos move contra o Minipreço. Pelo menos, nada mais do que contra outra superfície comercial qualquer. Ou industrial, já agora. Ou, mesmo, de serviços. Vem de lá a nossa cervejinha e muito do que metemos para o papo, principalmente o melhor bolo de chocolate de plástico do mundo. Mas, cada vez que comemos sem pagar, sentimos que damos uma machadada no coração do capitalismo. Pelo menos quando não é o David a tratar do picante.



Seria a laranja transgénica?

A laranja chegou como uma bola. Lançada num jogo de perguntas e respostas, para facilitar um as­sunto difícil de abordar de forma ligeira, ora porque é demasiado científico ora porque aborda diversas variáveis, complicadas de integrar num todo, explicou o pessoal do GAIA (Grupo de Acção e Intervenção Ambiental) que conduziu um momento de reflexão sobre o polémico tema dos últimos tempos: transgénicos. A CasaViva acolheu o encontro, estava a Primavera no seu esplendor.

A laranja era cor de laranja, como todas as laranjas. Redonda e rugosa como todas as laranjas. Particularidades: casca grossa, tamanho médio. Nada mais a distinguia de uma outra qualquer laranja. Seria transgénica? Difícil de dizer, porque rótulo não trazia. Mas porque lhe conheciam a origem, acabou ingerida, depois de acidentalmente chutada.

Silenciosamente, os transgénicos estão cada vez mais presentes nas nossas vidas, desde o campo do produtor ao prato do consumidor. Os cereais são as grandes vítimas, testada e comprovada que está a sua manipulação genética. Os mesmos cereais que comemos directamente em variadíssimos alimentos, pão, arroz e massas, bolachas e o que mais quiserem do género. Ou indirectamente, para os que ainda não são vegetarianos, porque se o gado não come bolachas não tem como escapar a farinhas manipuladas, quiçá compostas de carne de um outro ser da sua própria espécie, e depois ai jesus que as vacas ficam loucas. Entretanto, desenvolvem-se estudos para chegar a conclusões sobre os efeitos da alimentação de transgénicos na saúde dos humanos. Certezas não há. Mas, por via das dúvidas, o melhor é não os consumirmos. Ou não fossem organismos geneticamente modificados, que se desenvolvem em tempo recorde, para aumentar os ganhos de quem os produz, mas sobretudo de quem os comercializa.

A sessão incluiu a projecção de TranXgenia: a história do verme e o milho, documentário da Plataforma Transgènics Fora!, baseado na experiência local da Catalunha e de Aragão.


Meses depois, e apesar do conselho claro que ficou, e que não é por demais lembrar, de nunca deixarmos de ler os rótulos dos alimentos que compramos e utilizamos, o Taborda, rapaz atento, descobriu que andávamos a cozinhar com um óleo vegetal declaradamente transgénico, comprovado no rótulo aqui reproduzido.







Mais informação sobre transgénicos em:

stopogm.net

gaia.org.pt

eufemia.ecobytes.net

solimove.liveinfo.nl

Vem aí a terceira edição do copyriot

Se a natureza produziu algo menos susceptível de ser possuído exclusivamente por um indivíduo esse é o acto de pensar a que chamamos ideia. A única forma que esse indivíduo terá para a manter é a de não a divulgar, pois a partir desse momento ela passará a ser de todo o mundo e quem a ouviu nunca mais se conseguirá desembaraçar dela. O carácter peculiar desta transacção é o de que ninguém fica mais pobre, pois todos continuam a possuir a ideia integralmente. Como quando acendemos uma vela em outra sem que a primeira seja apagada.

Ben Franklin


Numa sociedade profundamente industrializada, que confunde trabalho com produtividade, a necessidade de produzir sempre foi antagónica do desejo de criar.

Raoul Vaneigem


A questão da propriedade intelectual, ou dos direitos de autor se preferirem, aparece sempre intimamente ligada à da propriedade privada, ou assim nos pretendem fazer crer. Quando a pomos em causa, somos invariavelmente confrontados com acusações de roubo do produto do trabalho de determinado indivíduo criador e logo de seguida, com a problemática da sobrevivência desse mesmo indivíduo criador pelo facto de este, sem as leis de propriedade intelectual, supostamente não conseguir receber uma justa remuneração pelo seu trabalho.

Antes de mais, vamos deixar bem explícito que o esforço criativo ocorre, e na maioria das vezes sem uma motivação económica. Dito isto, esse esforço criativo pode produzir duas coisas bem diferentes: uma ideia, e aquilo que passarei a chamar de materialização de uma ideia, ou uma obra. Quanto à ideia, parece-me fácil de entender que, enquanto entidade abstracta, ela não poderá possuir valor algum. Esta conclusão deriva do facto de, por exemplo, não se poder falar propriamente de escassez neste domínio. Uma ideia pode ser transferida para um ou mais indivíduos sem que o seu valor seja diminuído ou se esgote. Já a materialização de uma ideia será sempre susceptível de possuir um determinado valor para quem a produziu, e não se trata aqui de retirar qualquer direito de uso ou de troca desse produto ao respectivo autor. Reparem que também não está aqui em causa a legitimidade de um autor para assinar a sua obra ou reclamar a sua paternidade. Do que falamos é da reprodução, cópia ou alteração dessa obra, em suma da sua reutilização, por quem quer que a isso se dedique, sem que para isso tenha que pagar o que quer que seja.

Nesse sentido, a questão da sobrevivência desse indivíduo criador enquanto tal é uma falsa questão, pois que ela dependa destas leis é uma pretensão que recusamos liminarmente e que consideramos ser uma mentira descarada. Actualmente, a sobrevivência é utilizada como uma espada de Damócles, agitada sobre as nossas cabeças em todos os instantes de todos os dias, para justificar uma qualquer hierarquização da sociedade ou, no caso em concreto, um sistema económico baseado na exploração e reificação do Homem. Mas, para além disso, facilmente se verifica que no caso de desaparecimento das leis de propriedade intelectual as vantagens para os criadores ultrapassariam largamente os problemas que daí adviriam.

Tomemos por exemplo o domínio musical, onde o progresso tecnológico reduziu exponencialmente o custo de produção de uma obra tornando qualquer miúdo, armado com um computador pessoal e software adequado, numa estrela do rock em potência, e com uma liberdade e independência das editoras (os tradicionais detentores dos meios de produção) sem precedentes na história da música moderna. Porque não pode este pequeno Mozart utilizar as músicas maravilhosas do passado para criar novas músicas? Se responderam por causa dos direitos de autor, acertaram.

Ou seja, não são apenas os criadores que sofrem com estas leis, toda a Humanidade é refém desta lógica demente que impede, por razões puramente monopolistas e legalistas, o desenvolvimento e a inovação de determinados domínios, artísticos e não só.

O que nos traz ao real significado das leis de propriedade intelectual e a quem, de facto, elas beneficiam. Elas não têm nada a ver com a defesa do direito aos frutos do próprio trabalho, não têm a ver com incentivos à criação, inovação e desenvolvimento de ideias, elas têm a ver com o "direito" à protecção de uma forma estabelecida de fazer negócio.

Na verdade, criou-se na generalidade da população a noção de que se uma pessoa ou empresa lucrou durante alguns anos com determinado monopólio, é obrigação do governo e da sociedade garantir esses lucros no futuro, mesmo em face de circunstâncias completamente diferentes e, inclusivamente, se tal for contrário ao interesse geral.

Assistimos assim, por parte das editoras musicais e seus lacaios, à instauração de processos em tribunal a indivíduos cujo único crime foi a partilha de conhecimento e cultura, e imaginamos ao longe a profusão de ideias e obras que inundaria o mundo caso este procedimento não fosse possível. Somos da opinião de que ninguém, indivíduo ou empresa, tem o direito de se dirigir aos tribunais e exigir que se pare o relógio da História.

Por tudo isto e muito mais, vem aí a terceira edição do Copyriot.

Um outro lado da humanidade

Um espaço e conceito, com o rosto dum outro lado da humanidade e que assim se tem auto-regulado e crescido no tempo. Chama-se CasaViva.

Dizem que, para fazermos qualquer coisa funcionar, necessitamos de um dirigente. Então, quem manda na CasaViva? O proprietário? Faria o funcionamento da casa depender da vontade de uma só pessoa. O grupo mais directamente ligado à logística da casa, à “produção”? Mais uma vez dependeria da vontade de um grupo de pessoas. O pessoal que frequenta a casa?

Sabemos que, apesar do ser humano precisar de viver em grupo para sobreviver, tem qualquer coisa na sua estrutura que o faz não reconhecer essa necessidade quando interage com os outros da sua espécie, ainda menos quando se trata de seres de outras espécies ou do resto da natureza. São poucos os que assim não procedem, ainda menos os que não procedem assim com todos, pouquíssimos os que não o fazem sempre.

Qualquer coisa de base no ser humano o faz manter-se sempre aí. Macabramente, parece necessitar de ter sempre uma vítima para se sentir senhor e, assim, manter-se na forma mais primária de aqui estar e acontecer.

Terá a casa, então, de funcionar com base numa vontade comum e de ter um dispositivo para a manter viva, reajustável, evolutiva e criativa, terá de partilhar as responsabilidades, terá de, no seu funcionamento, ser naturalmente orgânica, em constante auto regulação, por, só assim, conseguir conviver com a diversidade do outro, o que de melhor a humanidade dispõe, o desempenho de cada ser e não ser e as suas necessárias e intrínsecas diferenças, o que cada um é.

O proprietário terá de deixar de o ser, o grupo ligado à logística terá de chamar o pessoal que frequenta a casa, para, em conjunto, acertarem e partilharem direitos e responsabilidades. Um espaço onde ninguém vota em ninguém para se fazer representar nas decisões a tomar. Por aqui caminha a CasaViva, onde, afinal, ninguém manda. Por aí caminha a C.O.S.A.. Por aí deveriam caminhar muitos mais espaços.

Lá fora o mundo é diferente, sob a sinistra batuta de uma suposta democracia. Ao invés de procurarmos fazer e aprender a fazer melhor juntos. Ao contrário do que nos fazem sentir, somos todos indispensáveis e nós, humanos, responsáveis pelo que está a acontecer. Esses que nos fazem não senti-lo é que desempenham cargos de irresponsabilidade, artificiais e dispensáveis. Cargos que desempenham com o aval do povo, por voto nas urnas, com que justificam as suas atitudes.

Até um mundo mais justo, sem hierarquização, fica o apelo: piquemos miolos também a favor da abstenção.


FIDAR: um caso de resistência

No dia 17 de Outubro, os trabalhadores da empresa FIDAR, do concelho de Guimarães, puderam libertar alguma carga humana da frente das instalações desta mesma empresa, após dois meses e meio de protestos continuados, dia e noite no local.

A decisão de levar a cabo a insolvência da empresa por parte do tribunal do trabalho de Guimarães, no dia 15 de Outubro, foi a garantia para os trabalhadores e restantes credores da empresa que irão receber as respectivas indemnizações. Claro está que será impossível quantificar os anos de dedicação destes trabalhadores, grande parte com mais de trinta e cinco de casa, tal como, uma vida subjugada à miséria do trabalho capitalista (...)


Nesse tempo de resistência, várias situações de total desrespeito para com os trabalhadores sucedem-se, quer por parte da administração da FIDAR, quer por parte da GNR. A Guarda Nacional Republicana não só deu cobertura a essa administração, ao insultar e intimidar os trabalhadores, como age contra o tribunal de Guimarães, ao evitar que o patrão da FIDAR seja sujeito, a dada altura, a uma verificação da sua viatura pessoal, como modo de certificação que não transportaria consigo património da fiação. O tribunal do trabalho de Guimarães decide, finalmente, convocar uma Assembleia de Credores para 27 de Novembro, com o objectivo de canalizar toda a receita em máquinas e matéria-prima restante dentro das instalações da fábrica aos credores da ex- FIDAR e actual INCOTEX.

Ao contrário do que outros media afirmam, os trabalhadores continuam a ter que vigiar dia e noite o que lhes pertence, uma vez que, tendo esta sido vendida à empresa Incotex, não é possível impedir de entrar na fábrica quem venha em nome desta última empresa e essa situação poderá dar origem a desvios de património e mesmo estratagemas por parte do patrão para fazer sair informação e bens da FIDAR.

Assim sendo, os trabalhadores, em grupos mais reduzidos, continuam a ter que permanecer nas instalações da empresa dia e noite, substituindo-se, quer à empresa de segurança contratada pelo patrão, quer à GNR, que já demonstrou não ser de confiança.


A FIDAR é uma pequena-média empresa de têxteis sediada na região de Gondar, Guimarães que fechou as portas no fim do mês de Julho por alegada baixa de produtividade. Deixou no desemprego 150 trabalhadores, alguns aceitaram a proposta de rescisão da empresa, mas a maioria não, e são esses que têm mantido o protesto e a vigilância nas instalações da fábrica.


Um trabalho do Colectivo Anarquista Hipátia, Porto


Mais informação sobre o assunto em: hipatia.pegada.net

Oficina activa













6,7 e 8 de Dezembro

CasaViva, Porto

oficinaactiva.weebly.com

oficinaactiva@gmail.com

...Sobra-lhes tempo!

Quem vos escreve está catalogado como sendo um ocidental... só ainda não percebi como é que, tendo uma bola só dois lados, o interior e o exterior, conseguiram criar a lógica rectangular de um ocidente fixo.

Partindo do pressuposto que, e contrariando o conhecimento científico alcançado pela humanidade, existe mais do que uma terra, porque razão me dizem a mim que o outro é ilegal na minha e eu já não o sou na dele? Porque razão não tem o outro a mesma facilidade em visitar-me que eu tenho em visitá-lo? E mais absurdo ainda, porque razão tenho direito a tentar ser feliz e o outro não?

Bab Sebta, ou melhor, um dos intervenientes deste filme, um natural da Mauritânia, teve a magia de me explicar todas estas questões, e de uma forma que eu nunca tinha reflectido. Sobra-nos tempo! - a nós, ocidentais - e concluo-o eu, o tempo que o outro esgota a sobreviver todos os dias.

Bab Sebta é um documentário que mostra a realidade das migrações dos povos da África sub sahariana para a Europa, ou melhor, as formas cruéis e desumanas a que estes povos se sujeitam para tentar a travessia das fronteiras impostas pelos homens. Na verdade, não são estes povos que se sujeitam, são os governos ocidentais e as suas políticas fascistas que os sujeitam.

As primeiras imagens são aquelas com que nos habituaram nas televisões. Centenas de pessoas, sem feições e sem nome, a tentar alcançar o impossível. Ultrapassar a grande cerca que, vergonhosamente, as cidades de Ceuta e Mellila, espanholas, ostentam, na terra que, e pela lógica deles próprios, não é deles. As imagens que se seguem a este pequeno prelúdio, as que foram filmadas pelos autores, dão rosto e nome àqueles que, afinal, são homens e mulheres como nós.

Muito interessante é o sentido da narrativa que os autores escolheram. A viagem não é semelhante àquela que estes povos realizam para chegar à Europa. É precisamente o seu oposto.

E é esta oposição de fluxos, este inversamente proporcional, que nos permite viver com o rosto e o nome daqueles que fogem na nossa direcção. É como viajar contra a corrente, sendo que esta é feita de gente. E a minha terra é isso mesmo, gente.

A grande diferença entre o filme documentário e o filme de ficção está na posição do espectador. No caso do primeiro, o espectador vê, ouve e percebe, tal como se estivesse no lugar da câmara, a vida no momento em que esta acontece. No filme de ficção, o real produz-se por um artifício, a simulação.

Em Bab Sebta, o real é pintado com as cores da poesia. O espectador entra, inevitavelmente, num confronto de sensações... desde quando é permitido mostrar uma perversa realidade de forma tão bela?

Kant nega a possibilidade de determinar por meio de conceitos o que seja belo, porque “...todo o juízo proveniente desta fonte é estético; isto é, o sentimento do sujeito e não o conceito de um objecto é o seu fundamento determinante".

Em Bab Sebta deparo-me com algo que, para além do sentimento que me desperta, encerra em si, e segundo a minha noção de cinema documentário, o mais importante dos conceitos, deixando para outras núpcias as questões técnicas do filme em si, a verdade e a memória dos oprimidos e nunca a visão dos dominantes.

Estou, assim, perante o sublime que, neste caso, não conforta, confronta.


Título BAB SEBTA

Duração 110’

País Produção Portugal

Países Rodagem Marrocos | Mauritânia

Produção Luísa Homem

Realização Frederico Lobo | Pedro Pinho

Imagem Luísa Homem | Pedro Pinho | Frederico Lobo

Som Frederico Lobo | Pedro Pinho

Montagem Rui Pires | Frederico Lobo | Pedro Pinho | Luísa Homem | Cláudia Silvestre

Produtora Patê Filmes | Gil&Miller

Co-Produção Filipa Reis | Gil Ferreira

Línguas Inglês | Francês | Wolof | Hassania | Crioulo

Formato de Projecção BetaCam Digital ou DVCam

Formato de Filmagem HDV


www.babsebta.org


Para que conste: segundo a Fortress Europe (fortresseurope.blogspot.com) pelo menos 11.976 imigrantes morreram, desde 1988 até hoje, na fronteira europeia, dos quais 4.232 desapareceram no mar. No Mediterrâneo morreram pelo menos 8.284 pessoas: 4.089 mortos entre Marrocos, Argélia, Mauritânia e Senegal em direcção a Espanha e ilhas Canárias, atravessando o Estreito de Gibraltar ou o Oceano Atlântico, dos quais 1.986 desaparecidos.