O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

sábado, 4 de agosto de 2007







Índice

O G8 come tudo, tudo, tudo. A UE come tudo o que puder. A polícia acha que ainda bate pouco. A verdade é que o mundo está a morrer...
Os media mentem, o G8 decide, a UE executa e a polícia apimenta tudo a toque de bastão.

Manifs sim, se cheirosas e bem vestidas
Como o "dia da liberdade" se transforma, perante o olhar aprovador geral, numa jornada de repressão policial. Aconteceu em Lisboa, essa mesmo, a de Portugal, no 25 de Abril.

A mentira como técnica de governação
A realidade não é o que se vê na televisão e os jornais mentem. Não sabemos o que está acontecer agora no Iraque.

A informação é mercadoria?
Não, diz o Pica-miolos. Porque não tem ligações ao poder nem ambiciona ter. As pressões que tem são do cérebro de quem escreve.

Basta de cerejas, que é feito do bolo?
Conversa vadia sobre o que é então a cultura e para que serve afinal.

Pelo direito à habitação e ao lugar
A Plataforma Artigo 65 quer transformar a política de habitação.

Foi bonito, pá!
A primeira marcha global pela marijuana no Porto. Densa mancha de gente desceu do Marquês a D.João I, pedindo a legalização da cannabis.

Mais vale que arda a STCP
E a razão de tudo isto, rai’s parta que carago, é que ministros e presidentes não andam de autocarro.

Curtas
Podiam ser as da vila.

Sopa da Letras
Uma sopinha de pedra no sapato dos portuenses.

A Vizinha queixou-se deste barulho.mp3
CD legal, editado sem autorização das bandas mas respeitador da propriedade das Notas Musicais Sugai®.

Suplemento
Meios-termos vale mais não termos. Para termos a sério, sem amputações nem restrições, há que conhecer os termos. Eis o Glossário Pica-miolos, se calhar com menos miolos mas com uma cedilha que desponta.

O G8 come tudo, tudo, tudo. A UE come tudo o que puder. A polícia acha que ainda bate pouco. A verdade é que o mundo está a morrer...


A Europa totalitária revela-se
Nos inícios de Junho, não te deve ter passado despercebido mais uma cena de manifestantes à porrada com a polícia. Porque foi isso que os média transmitiram... mais uma cena de manifestantes à porrada com a polícia. Talvez já não te lembres, até porque não está previsto que te lembres, mas, desta vez, tratava-se de manifestantes anti-G8 e de polícias alemães. Os primeiros são violentos. Os segundos, coitados, cumprem a sua função.
Isto foi-nos dito pelas televisões, pelos jornais, pelas rádios. De forma a ser repetido nas mesas e balcões de café, até ficar enraizado. Os média empresariais não se inibiram, mais uma vez, de mentir, ocultar, deturpar. Não me parece, mas talvez tudo não tenha passado de distracção, preguiça, enfim, mau jornalismo, daquele que não presencia os acontecimentos e interpreta a versão policial como a verdade, sem se dar ao trabalho de tentar sequer saber se, ao menos, existe outra versão.
Os resultados deste tipo de jornalismo fizeram-se sentir mal os primeiros confrontos sérios aconteceram, no dia 2 de Junho. Os membros do Black Bloc, apresentado como uma seita de destruição, tinham-se atirado, como cães, aos agentes da autoridade, que não puderam senão defender-se. Essa foi a estória da polícia. Essa foi, também, a história nos média. Aparentemente, ninguém se apercebeu, ou quis dizer, que há vídeos que demonstram que a legítima defesa funcionou ao contrário e que tiveram que ser os manifestantes a defender-se dos ataques policiais.
Naqueles dias, haveria centenas de jornalistas na zona. Que nos tenha chegado eco em português, nenhum reparou, ou quis dizer, que, durante bem mais do que uma semana, a maior operação alemã de segurança do pós segunda guerra mundial transformou o país, e aquela zona em particular, num local quase hitleriano, onde as rusgas por motivos políticos, o aprisionamento temporário de pessoas com vista à recolha dos seus dados e revista e as detenções arbitrárias eram o pão nosso de cada dia. E, acima de tudo, caros amigos, acima de tudo, nenhum jornalista desses que se dizem dos “meios de comunicação social” reparou, ou quis dizer, que nem um único delegado do G8 conseguiu entrar por terra no local da reunião. Todos os acessos terrestres foram bloqueados por milhares de manifestantes que se opõem às ideias que o G8 tem para o mundo. Reparem... nem um único delegado do G8 conseguiu entrar por terra no local da reunião. A organização teve que se desenrascar com meios aéreos e marítimos. Mesmo assim, houve delegados que nunca chegaram a participar na cimeira. Um feito inspirador para uns, um acto ignóbil de sabotagem para outros, mas, para todos, creio, um facto merecedor de nota, nem que fosse de rodapé, uma frase perdida num parágrafo, uma palavra, uma sílaba, uma letra...
Bloqueio, meus caros. Bloqueio, transformação duma estância turística onde não queriam que ninguém entrasse numa prisão de onde não conseguiam sair. E ninguém reparou? Nem os jornalistas que tiveram que entrar por ar ou por água? Será que os tais profissionais dos “meios de comunicação social” viram tudo isto e, eles próprios ou o critério editorial que os enforma, decidiram não nos dizer nada?
Na minha terrinha, olhe-se por onde se olhar, isto só tem um nome: Censura!

Mas afinal o que é o G8?
O G8 é constituído pelos governos dos 7 países mais ricos do mundo – Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão, Reino Unido – mais a Rússia. Os líderes destes governos reúnem-se todos os anos, nas chamadas “Cimeiras do G8” para coordenar as políticas relacionadas com a economia e a segurança internacionais.
O G8 é uma instituição sem legitimidade. No entanto, como auto-proclamado governo mundial informal, toma decisões que afectam toda a humanidade. As suas políticas pretendem uma globalização neo-liberal, desregulação e políticas económicas orientadas para o retorno do capital dos investidores e empresas internacionais.
Estas políticas são apresentadas como a solução para uma variedade enorme de problemas globais, da pobreza à destruição ambiental, mas acabam por ter o efeito de fortalecer um sistema económico internacional no qual os países do G8 têm a maioria do poder e da riqueza, num mundo em que a pobreza extrema mata mais de 18 milhões de pessoas todos os anos. Cinquenta mil por dia. Duas mil e cinquenta e cinco por hora ou, mais simplesmente, trinta e cinco indivíduos por cada minuto que passa.
Ao mesmo tempo, as taxas de produtividade mundiais nunca foram tão altas. Há toneladas de comida a serem destruídas ou deitadas fora todos os dias.
O propósito fundamental do G8 é a promoção da liberalização de todo o tipo de sectores. Como consequência, tem-se assistido a um ritmo brutal de privatizações de serviços públicos como a saúde, a educação, a água ou a electricidade. Não é raro que isto conduza a um acesso mais restrito a este tipo de serviços. A pobreza aumenta, assim, não só nos países já oficialmente pobres mas também no mundo industrializado.
Apesar de não ter poder formal, o G8 detém, através dos seus membros, 50% dos votos no Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial e tem grande influência na Organização Mundial de Comércio (OMC). Quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) são membros do G8, que, assim, pode vetar qualquer resolução. Ou seja, não há grandes hipóteses de se levar a efeito qualquer decisão contrária à vontade do G8, nem que seja tomada pela maioria das pessoas ou dos governos do mundo.

A presidência portuguesa da UE
A presidência portuguesa da União Europeia (UE) zelará para que as políticas definidas pelo G8 sejam aplicadas no espaço comunitário. É tão apenas disso que se trata. Os enormemente poderosos definem as regras e os vários poderes subsequentes tratam de as aplicar na prática, no concreto, no quotidiano. Aos média caberá, ainda e sempre, a função de legitimar essas decisões, transmitir as regras como normas lógicas e coerentes, encostar a um canto escuro ou ludicamente iluminado toda a dissidência.
Portugal dará o seu contributo, independentemente da retórica, para que a Europa Social, que nunca foi uma realidade, desapareça até como ideia. O objectivo é que o conceito de eficiência se confunda com o de rentabilidade e se afaste definitivamente do de justiça ou do de universalidade.
Promoverá uma agenda securitária que anule cada vez mais liberdades civis, contribuindo, de facto, para que a excepção se torne na regra, de forma a que a UE seja um conjunto de países em estado de sítio permanente cuja população ajude a tratar como crime de alta traição qualquer esboço de contestação.
Sócrates brilhará ao dar um empurrão decisivo para a aprovação do tratado constitucional da União, demonstrando, se tal fosse ainda necessário, que o que os cidadãos pensam não tem a mínima relevância quando a agenda tem que ser cumprida.
Os lusitanos aproveitarão o seu enquadramento histórico para facilitarem a entrada da UE no mercado africano, agora que a China, um dos grandes concorrentes mundiais do bloco europeu, se implanta por lá a todo o vapor. Algum dos blocos pensará, por um segundo que seja, nos africanos? Não creio.
O executivo do PS, ajudará a impor condições de trabalho cada vez menos humanizadas, abrindo ainda mais portas para a chegada desse amanhã que canta, onde todos seremos flexíveis a todos os níveis, onde as relações pessoais duradoiras sejam impossíveis, onde as pessoas deixem de ser “quem” e passem a um “aquilo”, meras peças amovíveis da grande máquina de fazer dinheiro.

Manifs sim, se cheirosas e bem vestidas

25 Abril 2007, em Lisboa
No dia em que Cavaco apelou à capacidade de mobilização e de indignação da juventude, algumas pessoas, entre elas muitos jovens, decidiram mobilizar-se e indignar-se contra o ressurgimento do fascismo político e a vitória desse outro fascismo, de cariz mais económico, que condena todas as sociedades a organizarem-se sob os ditames da fase actual do capitalismo, habitualmente conhecida por neo-liberalismo ou economia de mercado.

Para depois das comemorações oficiais do 25 de Abril, em Lisboa, foi convocada, por pessoas cansadas do ritual festivo com que actualmente se assinala cada aniversário da revolução, uma manifestação “anti-autoritária, anti-fascista e anti-capitalista”. O percurso, pautado por palavras de ordem bem mais combativas do que as que se tinham gritado um pouco antes, iniciou-se por volta das 18h30, na Praça da Figueira, e acabou uma hora mais tarde, no Largo de Camões. Apesar de ter sido levada a efeito sem autorização, a marcha decorreu sem incidentes, nem por parte dos manifestantes nem por parte do impressionante aparato policial que a escoltou.

Uma vez no Largo de Camões, uma parte considerável das pessoas sentiu-se feliz por ter sido capaz de exercitar esse direito que é o de manifestação. Tão fundamental ele é, que se torna ridículo que implique uma autorização. Vincando esse ponto de vista e gritando bem alto que o estado actual do mundo é insuportável e que a solução não passa por perspectivas autoritárias ou nacionalistas, essas pessoas voltaram, creio que sorridentes, para casa.

Um número menor de indivíduos achou, no entanto, que faltava fazer algo mais e decidiu dirigir-se à sede do Partido Nacional Renovador (PNR), na Rua da Prata, descendo a Rua Garrett. Nessa altura, a marcha era constituída por um número entre 60 e 100 pessoas, onde se destacava um núcleo de cara tapada. No caminho, que seguiu pela Rua do Carmo, fizeram pichagens e atiraram bolas de tinta a várias montras. Nada havia sido partido. Nenhuma agressão havia sido feita.

A determinada altura, dois ou três manifestantes pararam para escrever numa parede: “O 25 de Abril passou mas a lei do bastão continua”. Um grupo de polícias à paisana cercou os autores do grafiti para os deter, mas foi, ele próprio, cercado por outra malta que tinha ficado por perto para o que desse e viesse. Os agentes largaram os que tinham agarrado, sacaram dos bastões extensíveis e recuaram em grupo. O resto da manifestação, que já tinha passado o elevador de Sta. Justa, apercebendo-se do que se estava a passar, subiu a Rua do Carmo a correr. As carrinhas azuis abriram as portas, tanto na parte de cima como na parte de baixo da rua, os agentes saíram a correr e a bater, no que foram imitados pelos infiltrados à paisana na manifestação. Como a resistência era mínima, a polícia passou ao espancamento dos manifestantes e de toda a gente que se atravessasse no caminho, incluindo alguns turistas. Onze pessoas foram presas, tendo algumas delas sido agredidas depois de detidas.

Este é, em traços gerais, o retrato do que se passou no fim da tarde do dia 25 de Abril de 2007, na baixa de Lisboa. Nesse mesmo dia, bastante mais cedo, a polícia tinha-se apressado a defender um cartaz do PNR de tomates atirados por alguns dos presentes nas comemorações oficiais do 33º aniversário da “revolução dos cravos”.

A crítica à atitude, às acções e aos eventuais objectivos dos manifestantes é legítima, mas rebatível de um ponto de vista ideológico. Já o questionamento da acção policial, se também é legítimo, parece-me muito menos defensável, mesmo se a olharmos pelos olhos da ideologia que a forma, a do Estado de direito democrático. Senão vejamos...

A manifestação não estava autorizada. No entanto, a polícia nunca exigiu, ou pediu sequer, que desmobilizasse. A polícia carregou e não parou nem perante a ausência de resistência. Por outro lado, começou a bater antes de saber da existência de alegados cocktails Molotov. Estes, a existirem, nunca podem, portanto, ser apresentados como justificação para carga policial. A polícia refere montras partidas, agressões a transeuntes e chega mesmo a utilizar a expressão “rasto crescente de destruição. Ou seja, a polícia mente descaradamente. Alega, ainda, a existência de um very light. Os manifestantes corroboram, mas afirmam que veio do lado das “forças da ordem”. Onze indivíduos foram detidos por volta das 20h00. Até 17 horas depois, o único alimento que lhes foi fornecido foi pão e leite pelo pequeno-almoço. Lembremo-nos que a carga começou por causa dum grafiti e, eventualmente, também por causa de bolas coloridas atiradas a algumas montras. A polícia, tanto quanto podia saber naquele momento, enfrentava um exército munido de tinta.

Por muitas razões de queixa que se pudesse ter dos manifestantes, a polícia dum Estado de direito democrático tem que precisar de muito mais para levar a cabo uma carga tão brutal. Claro que esse mesmo Estado diz que não, desde que, depois, haja o respectivo inquérito. De qualquer forma, o governo, pela voz do secretário de Estado José Magalhães, já afirmou que esse exercício vai redundar na absolvição das forças policiais e na adopção da versão oficial da “utilização da força necessária”. Não considerou, por exemplo, que, para valer a explicação da polícia, terá que saber do juiz porque é que decretou a medida de coação mínima a um bando de gente perigosa que trazia consigo armas ilegais. Será também necessário saber o porquê da apreensão de “diverso material anarco-libertário”, quando a sua posse não é proibida.

Tudo isto me leva a pensar que a polícia espancou aquelas pessoas naquele fim de tarde tão especial, não pelo que elas fizeram, mas por serem quem eram. Estava-se na ressaca dos raids às casas de elementos da extrema direita. Talvez a polícia tenha pensado que era melhor atacar também os arqui-inimigos dos fascistas, os anarquistas, e, assim, conseguir uma espécie de anulação de forças em que nenhuma das partes se fica a rir da outra. Ou talvez tenha sido apenas a forma de alguns simpatizantes do PNR que, aparentemente, trabalham nas forças de imposição da ordem se vingarem.

Independentemente do carácter especulativo do parágrafo anterior, o que não se pode negar, parece-me, é que se tratou da velha táctica da imposição do medo que garanta o esmagamento duma contestação que não cabe no sistema. Acontece aos camionistas quando bloqueiam estradas ou pontes, acontece aos populares que se organizam de forma mais ou menos espontânea, acontece aos estudantes que se opõem mais empenhadamente às novas leis sobre o ensino, acontece aos ciganos que se recusam a ser despejados, acontece aos trabalhadores que ultrapassam os sindicatos e acontece aos cidadãos com uma crítica mais profunda da organização social e económica actual que não se mobilizam através dum partido ou duma ONG. Porque a contestação é como as manifestações... é legítima, mas tem que ser autorizada, ordeira, bem educada e, de preferência, cheirosa e bem vestida.

A mentira como técnica de governação

4 anos de ocupação, 4 anos de resistência
“Esta situação é grave e parece ultrapassar-nos: que podemos fazer contra isto? Que podem vocês fazer quanto a isto?” – pergunta o jornalista Danny Schechter no final de "Armas de Desinformação", documentário em que escalpeliza o papel dos grandes media em todas as fases da guerra contra o Iraque, desde a sua preparação até à ocupação militar daquele país, passando pelos projectos agressivos do Pentágono e da Casa Branca, que acabam por condicionar uma opinião pública frágil e desprotegida.

"Armas de Desinformação" encerrou, a 11 de Maio, na CasaViva, o ciclo de cinema semanal “4 anos de ocupação, 4 anos de resistência”, iniciado mês e meio antes, quatro anos depois da invasão do Iraque. A pergunta de Danny Schechter lançou o mote para o debate que se seguiu, orientado por Paulo Esperança, do Tribunal do Iraque (Porto), e pelo jornalista Rui Pereira.
Paulo Esperança abriu a conversa reclamando o julgamento de George W. Bush, Tony Blair, José Maria Aznar e Durão Barroso, que, em reunião na Base das Lajes, decidiram a invasão do Iraque. “É preciso levar os quatro líderes a Tribunal, para responderem perante a opinião pública”, objectivo maior do esforço empreendido para “ressuscitar uma onda de repúdio em relação ao processo que continua a matar milhares e a esconder os mortos”, sendo certo que “isto não é a segunda guerra do Iraque, é a invasão” e que pela “primeira vez o império assume o despudor e a impunidade”. Ou seja, “estamos a assistir ao hegemonismo assistido”.
Daí, o título do debate: "A mentira como técnica de governação. A guerra contra o Iraque, os media e os poderes". Porque a técnica de governação não é mentira, falou-se sobretudo da mentira dos media, simultaneamente marionetas e manipuladores. Porque nos media cruzam-se interesses empresariais e políticos e as respectivas empresas não são diferentes das grandes companhias petrolíferas que visam o lucro e interagir com o poder.

“Não sabemos o que se passa no Iraque, mas tenho todas as razões para acreditar que o que lá se passa não é o que é noticiado”, afirmou Rui Pereira. “Há um esforço propagandístico para vender a guerra do Iraque, nós próprios acabamos por usar a expressão guerra no Iraque”.
A exposição do jornalista teve por base o estudo que realizou sobre a cobertura noticiosa dos jornais portugueses da invasão do Iraque, que apresentou à Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque em Março de 2005, acontecimento que os referidos media ignoraram.
No estudo – assente num universo de 104 notícias publicadas entre Novembro de 2002 e Outubro de 2004 no “Público” e no “Diário de Notícias” –, denuncia uma fortíssima adesão às teses norte-americanas, que “prosseguiu reiteradamente”, mesmo perante fenómenos como Abu Ghraib ou a acumulação de evidências sobre a inexistência de armas de destruição maciça no Iraque. “Em momentos capitais do conflito, sonegou ou restringiu o acesso do público à totalidade do conjunto de informação relevante para que pudesse formar uma opinião qualificada sobre os assuntos em questão.”
“Até Luís Delgado [colunista do “Diário de Notícias”] sabia que não havia armas de destruição maciça no Iraque”, comentou. Em paralelo, o “Público” afirmava em 7 de Outubro de 2004: “Saddam Hussein não tinha armas mas nunca desistiu de as ter”. Este o título da notícia sobre o relatório final ao Congresso dos EUA sobre armas de destruição maciça, no qual Charles Duelfer, conselheiro especial da CIA, inspector de armamento dos EUA para o Iraque, escreveu: “O regime de Saddam Hussein não tinha em 2003 armas biológicas ou químicas e o seu programa nuclear estava em decadência desde o fim da Guerra do Golfo em 1991”.
“Adelino Gomes acusou-me de ter algo contra o ‘Público’ com um estudo destes”, contou Rui Pereira. O comentário podia não ter interesse se não se tratasse do prestigiado jornalista Adelino Gomes, cuja imagem de microfone nas mãos, em Timor-leste, em 1976, ansioso por relatar a verdade sobre a invasão da ilha pelo exército da Indonésia, faz parte da memória colectiva das gerações que viveram o 25 de Abril. E é a memória colectiva que está em causa quando se perturba a informação.
E informação é informação e opinião é opinião. Contudo, Rui Pereira chegou à conclusão de que a “construção do ambiente intelectual dúplice, pró-Estados Unidos, viveu do conluio entre opinião e informação, compondo um discurso tendencioso e totalitário em que cada uma corroborou a outra, reafirmando-se a si mesma”. Objectivo: “criação de um ambiente intelectual onde, por efeito das regras da orquestração e da repetição em regime de saturação, se torna quase impossível sustentar qualquer tese oposta à predominante”.
Em 24 de Março de 2003, José Manuel Fernandes, director do “Público” escrevia no seu editorial: “Quando a guerra é a única solução para evitar males maiores, apenas temos de saudar os que arriscam as suas vidas por todos nós e pela nossa forma de vida. Os que lutam para que as sociedades livres e abertas que conhecemos se estendam também aos países árabes”.
Segundo Rui Pereira, as opiniões veiculadas por José Manuel Fernandes baseavam-se nas mensagens globais emitidas pela Casa Branca, pelo Office of Global Communications, criado em 2002 e capaz de debitar a qualquer hora do dia, sete dias por semana, os seus produtos propagandísticos. “A imprensa portuguesa reproduziu favoravelmente aos Estados Unidos as teses provenientes dos seus oficiais e, mais do que isso, com frequência instituiu-os em juiz da autenticidade informativa num conflito de que eram parte, referindo a ausência ou presença de confirmação sua relativamente a informação terceira.”
E assim “permitiu que a fabricação de opinião se transformasse em indústria de pura manipulação”.

A “fonte oficial” é o coração da manipulação, assegura o jornalista português. Nas notícias que analisou, contou 587 fontes citadas: 66% favoráveis aos EUA, 27% contrárias. A desproporção contribui para a criação da “versão oficial da mentira”, em que se procurou “convergir em torno da razão de Estado”.
Apesar das conclusões, Rui Pereira garante que a maior parte dos jornalistas que conheceu ao longo da sua vida profissional são “gente séria”. Mas, ao “contrário dos outros assalariados, o jornalista sabe que está a intoxicar”. Acontece é que “quem escreve nos jornais, profissionalmente ou na condição de opinion-maker, entra num jogo, numa dramaturgia que, por mais encenada que seja, constitutivamente não permite a nenhum dos seus agentes que infrinja a regra que lhe dá sentido”. Isto é, “o imperativo de, para poder continuar a jogar-se, pressupor a confiança e o crédito do público”.
O jornalismo está na primeira linha de confronto, considera. Ausência de informação não é o problema dos nossos dias, o problema é que alguns, normalmente os mais influentes, só utilizam a informação que querem.
“Estamos num mundo em que as pessoas têm necessidade de estarem informadas, em que foi induzido o mito da informação. Mas até que ponto temos necessidade de ter outra informação? Até que ponto temos necessidade de ter informação diferente?” – questionou, sem encontrar resposta precisa, apontando somente a “necessidade intelectual de pôr em comum as coisas”.
A certeza que tem é que “não se pode combater correntes de pensamento com a realidade, mas com saber e informação”, tanto mais que “só temos a ganhar com uma atitude ética impoluta”. A sua preocupação relativamente ao Iraque é pensar no que “podíamos estar a ver quando vemos determinada notícia”, que outras notícias são preteridas em benefício das oficiais.
”O que era verdade, hoje é mentira”, recordou Paulo Esperança. Razão porque Rui Pereira estranha que, nenhum dos jornalistas e dos opinion makers citados no seu estudo tenha, à data, apresentado “uma explicação credível para não apenas ter começado por se enganar, como tenha continuado enganado, até ao ponto de tornar-se um referencial colectivo do embuste”. E não só “não veicularam com rigor a grotesca dimensão desse ludíbrio, como não apresentaram perante os seus públicos a devida retratação”, ainda que tenham sido condenados (por alinharem pelos argumentos dos agressores) pelo Tribunal Mundial sobre o Iraque, na sequência da audiência portuguesa realizada entre 18 e 20 de Março de 2005, em Lisboa, e três meses depois na sessão final em Istambul, Turquia.
O Tribunal Mundial sobre o Iraque (tribunaliraque.no.sapo.pt/) foi criado em 2003, na tradição do Tribunal Russell para o Vietname, com o apoio de figuras internacionalmente prestigiadas. Trata-se de um tribunal de opinião pública, que emite deliberações de consciência. Algo subjectivo num mundo que fabrica guerras ao sabor dos interesses políticos e económicos.
Ainda que convidados a estarem presentes no debate na CasaViva, nenhum jornal português se fez representar nem deu notícia sobre o assunto. A assistência era constituída por uma dezena de pessoas sensíveis ao assunto mas pouco participativas. Das intervenções, registe-se uma das perguntas, que ficou sem resposta: “Qual a margem da nossa verdade?”.

A informação é mercadoria?

Convite à reflexão sobre o que andamos a ler, ver e a ouvir
No dia em que Durão Barroso deu início à rentrée política da Comissão Europeia, em 2006, o espaço da cerimónia, na Quinta da Beloura, em Sintra, foi classificado de “sumptuoso” pelo jornalista estagiário encarregado de fazer a cobertura do assunto para um jornal de referência português. O subeditor não gostou e cortou o adjectivo. O jornalista acatou.
Situações como esta acontecem diariamente em todas as redacções, com estagiários ou não, por este ou por aquele motivo mais ou menos relevante. Neste caso, o motivo era apenas poupar Durão Barroso, e consequentemente a Comissão Europeia, “vinculando-os a um cenário que, mais que sumptuoso, era verdadeiramente extravagante”, relata Renato Teixeira, o dito jornalista estagiário. Este é o mais simples dos quatro conflitos redactoriais que expõe em “Ardinas da Mentira” e que exemplificam, a partir de episódios aparentemente quotidianos, onde começa o “amestramento da acção jornalística”.
“Vivemos num tempo em que a informação se transformou em mercadoria, e, como mercadoria, obviamente sujeita aos condicionalismos e às regras de mercado que regulam o sistema económico”, acusa o autor. “Ardinas da Mentira” é um trabalho académico de licenciatura em jornalismo, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi escrito com o objectivo de contribuir para a organização de uma crítica actualizada aos meios de comunicação, motivando debates entre pessoas empenhadas na produção independente e alternativa de conteúdos.
Algo do género aconteceu na CasaViva, na noite de 27 de Abril, em que a apresentação da obra provocou um empolgado debate, de mais de duas horas, sobre a manipulação actual dos meios de comunicação social.
“Não há crise no jornalismo”, tendo em conta os grandes negócios que sustenta, argumentou Rui Pereira, um dos participantes mais entusiásticos da noite, jornalista há mais de metade da sua vida, muitas horas das quais a procurar e a dar informação sobre o País Basco e a sua luta pela autonomia, a serviço do “Expresso”. “A maior parte dos jornalistas que conheci são boa gente”, afirmaria então, como dias depois, dois pisos acima, num outro debate sobre o mesmo assunto, particularizado na guerra do Iraque.

“Os Ardinas da Mentira” é um livro “difícil, raro, precioso e preciso”, afirmou. Difícil porque “não serve facilitismos”, fundamentando o pensamento crítico; raro pelo “desassombro da crítica”; precioso porque é um “instrumento de conhecimento”; preciso porque “não tem pretensão de encerrar o debate que abre”.
Para nenhum dos debates promovidos com o lançamento da obra, o Bloco de Esquerda, de que Renato Teixeira é militante, abriu as portas das suas moradas. A normalização do discurso em todas as áreas limita a imprensa alternativa, afirma Renato. Inclusive por parte das esquerdas. Refere o Indymedia português, que acha muito aquém dos homólogos doutros países. Se hoje houvesse censura institucionalizada, esta teria muito pouco para fazer, suspeita. Cerca de 80% das notícias são feitas pelas agências de informação e comunicação. Ou seja, o que existe de investigação é absolutamente residual, pelo que o jornalista “é uma espécie de dançarino atrás do papa”. Nos meses de estágio num diário, uma conferência de imprensa correspondia a uns invariáveis três mil caracteres. Hoje, diz que não faz jornalismo onde trabalha. E, no entanto, trabalha como jornalista numa revista semanal, onde supostamente há mais tempo para produzir a informação.
A trabalhar numa revista concorrente, Miguel Carvalho não se queixa do mesmo. Aborda é os mecanismos a que uma publicação semanal recorre para retomar uma notícia que já não o é, a que um jornalista recorre para vender uma notícia ao editor. Tem de ter algo de novo, ou sob uma perspectiva diferente. Apresentar o assunto partindo do particular para o geral é o estilo preferido e um tanto normalizado da última década. Diferente da época em que a revista do “Expresso” era grande, recorda Rui Pereira.
Hoje como então, quando se procura descodificar a informação, raramente se tem em conta os “mecanismos subtis, incorporados pelos próprios jornalistas, além dos mecanismos de censura evidentes”, referidos por José Soeiro. Como representante do BE ou a título particular, foi quem lançou o debate. “A realidade é o que aparece na televisão”, ironizou.
Mentiras que “nos habituamos a consumir”, que “aniquilam a fantasia”, acrescentaria Renato Teixeira. “Perguntem-se qual o interesse que mais de dois terços da humanidade têm naquilo que vêem?”, questiona no livro.
“O jornalismo está menos capaz que ontem”, precisa de “refundação”. “O que temos hoje, como tal, é a indústria de uma informação antibiótica, normalizada por critérios que cumprem rigorosos padrões de classe, e destinada a reforçar nas consciências a insuperabilidade da nova ordem mundial e com ela a ditadura da economia de mercado.”
“O que é feito dos jornalistas e do jornalismo que outrora representaram algo de emancipador nas nossas vidas”, reclama José Mário Branco, no prefácio de “Ardinas da Mentira”. Para o músico cantor, os jornalistas “não podem dizer que não sabiam, não podem dizer que não sabem como fazer, nem podem dizer que não podem fazer nada.”

“Ardinas da Mentira”, ensaio editado este ano pela Dinossauro, organiza-se em torno de três ferramentas centrais: análise de conteúdo aos acontecimentos que marcaram a cimeira do G8 de Génova em 2001; observação participante num jornal de referência; e análise teórica.
É, segundo o autor, “um duplo convite à reflexão sobre o que andamos a ler, a ver e a ouvir, as suas intenções, os seus efeitos, os seus ardinas”. Mensageiros actuais da mentira orquestrada do pensamento único, que – citando Rogério Santos – aprendem a lidar “com a prática jornalística [que] favorece geralmente os interesses das fontes com autoridade e peso, em especial as que se situam no interior do aparelho governamental”.

Basta de cerejas, que é feito do bolo?

Debate na CasaViva
As palavras são opacas. Olhando para o mote do debate, ninguém poderia dizer com exactidão o que se iria passar naquela noite, na Casa Viva. De uma poesia tocante, a pergunta Basta de cerejas, que é feito do bolo? não deixava, de facto, transparecer muito. Sabia-se, apenas, que era a data em que se festejava o 33º aniversário da primeira ocupação popular de uma casa devoluta em Portugal (28 de Abril). Para 3 dias mais tarde, estava marcada a entrega do Rivoli a La Féria, coisa nunca oficialmente confirmada nem desmentida e que acabaria por acontecer apenas cerca de mês e meio mais tarde. No final, saberíamos que não se chegou a falar de ocupação e que as questões relacionadas com o Rivoli só se afloraram muito lá para o termo da conversa.

As palavras fazem-se transparentes. João Teixeira Lopes (sociólogo) pega em dois conceitos aparentemente próximos e estilhaça-os, destruindo, pelo caminho, a estrutura que conforma a vida cultural do país nos nossos dias. Defende a democracia cultural por oposição à sua democratização. Esta, presente nos discursos dominantes da actualidade, é imposta de cima para baixo e de fora para dentro, na lógica de Um Estado, Uma Nação, Uma Cultura e acaba por provocar reacções diferentes nas várias áreas onde é implantada. Socorreu-se de uma notícia do “Público” para demonstrar que se pretende uniformizar até as manifestações dos espectadores perante uma produção cultural, através da criação duma espécie de manual de civilidade aplicado à cultura, ao melhor estilo do século XIX, quando também se achou necessário impor comportamentos públicos à burguesia recém endinheirada. A democratização cultural parte, assim, do princípio da menoridade das pessoas quer levando-lhes a cultura que não lhes diz respeito quer explicando-lhes onde e como rir ou bater palmas.

Deve-se, portanto, contrapor a esta imposição um acto de democracia, dando a possibilidade de escolha entre o leque do que se conheça, partindo daí para a familiarização com a novidade, de forma a que se torne conhecida, num círculo virtuoso que só é potenciado se a cultura for encarada como serviço público. E será o caminho estreito que se afasta quer do populismo quer do voluntarismo que esta atitude deverá percorrer. De maneira a que não se dê às populações apenas aquilo que elas querem da forma que o querem, mas que também não existam vanguardas iluminadas que indiquem qual deve ser o gosto dominante. A democracia cultural tem, então, que ser “a forma de discutir padrões e conseguir consensos provisórios através da acção presente nas comunidades”, explica o sociólogo. “A ideia dos consensos provisórios é importante para que se encare cada ponto de chegada como um novo ponto de partida”, diz ainda, adiantando que os perigos do populismo e do voluntarismo se combatem “substituindo a acção cultural pela interacção mútua”.

As palavras, afinal, são mentirosas. Eduarda Dionísio (professora), com o seu humor humilde, recusa formas que mudaram de conteúdo e diz-se perdida no meio de significados que tinha como diferentes. Gostaria de “banir das nossas conversas as palavras cultura e democracia”. Mais para a frente, foi adicionando outras a este seu index de expressões inquinadas pelo sentido que hoje lhes dá a maioria, imposto pela comunicação social “que resta”, pelo governo, como emanação do Estado, e suas instituições e pelo mercado. Quem fabricou estes novos significados não foram, então, os artistas, nem os centros institucionais do saber, nem as populações ou as associações. Foi, sobretudo, o mercado.

De uma “necessidade de fazer, a cultura transformou-se num conjunto de eventos”. Que “só são cultura se tiverem visibilidade... quanto mais visibilidade, mais cultura são. O itinerário desta cultura, nos últimos 30 anos, tem sido um itinerário linear e ascendente de eventos festivo-comemorativos com que nos temos ido conformando”, afirmou a professora, antes de nomear alguns, como a 17ª Exposição, a Europália, Lisboa Capital da Cultura, Expo 98, Porto 2001... A Cultura de hoje é considerada em termos de oferta e procura, investimentos, subsídios, donde, nas palavras de Eduarda Dionísio, “nasce um rosário de palavras e acções como marketing, património, dossier, parceria, co-produção, protocolo, outdoor..., o que tem pouco a ver com cultura como possibilidade de as pessoas se libertarem do seu dia a dia e de se afirmarem como pessoas verdadeiras”

A cultura de hoje será, portanto, nada mais do que uma vitória política, tendo-se transformado em culturalismo, que é uma ideologia. Visa, em última análise, a “substituição do cidadão autor em cidadão consumidor”. Um cliente amorfo do que lhe dizem que deve gostar, para quem, depois de despido das suas raízes e de qualquer tipo de história, qualquer coisa se pode tornar num evento. Os conceitos dela são, claro, outros. Para ela, a cultura é “um instrumento contra qualquer coisa e não um instrumento de integração”. Deverá ser a afirmação da sensibilidade de cada um, o resultado de uma vontade interior de intervir, de fazer, realizar, transformar o que nos rodeia. Formas de viver relacionadas com o local e não com uma amálgama de conceitos ditos globais. Luta consciente por alterações organizacionais. “Tal como está hoje definida, a cultura não é onde nos devemos mover para mudar o mundo”, finaliza Eduarda Dionísio.

As palavras são livres. O público, e seriam um pouco mais do que 30 pessoas, solta-se e impõe as suas inquietações, lançando pistas verdadeiramente relevantes para discussões futuras. Ouvem-se experiências e desabafos, pessimismos e esperanças. Histórias de mobilizações por móbeis fúteis e relatos de abandono de causas nobres. Aventuras nas avenidas da cultura institucionalizada e discussão sobre ruas alternativas.

As palavras são precisas. Mesmo para o fim, as perguntas que foram para trabalhos para casa tinham a ver com a necessidade cada vez mais urgente que a generalidade dos convivas sentia em conseguir fazer voltar as definições de João Teixeira Lopes e Eduarda Dionísio para a realidade quotidiana das populações. Como conseguir fazer ouvir vozes agora minoritárias num mundo cheio de gritos. Como dar visibilidade às vontades emancipadoras no meio da cegueira provocada pelos néons. Uma das respostas possíveis parece-me ter sido dada ainda antes do debate, com um concerto de Diana e Pedro, onde sonoridades reconhecíveis eram travestidas e onde as palavras escolhidas traziam novas formas de ver as coisas e de as problematizar. Será esse um dos caminhos.

Pelo direito à habitação e ao lugar

Plataforma Artigo 65
O despejo dos moradores do Bairro do Bacelo, por parte da autarquia portuense, em Março, fez surgir no Porto a Plataforma Artigo 65, um movimento de pessoas interessadas em valorizar o Direito à Habitação, consagrado no artigo da Constituição da República Portuguesa que adoptaram no nome. O movimento surgiu em Lisboa, no ano passado, aquando do despejo de várias e variadas comunidades da área metropolitana de Lisboa. Partiu para a recolha de assinaturas, 4500 exigidas por lei, para o Direito à Habitação ser discutido na Assembleia da República. O processo continua. O objectivo é transformar a política de habitação. www.plataformaartigo65.org

No Porto, a primeira luta foi acompanhar a comunidade cigana despejada das suas barracas, orientá-la nos seus direitos e minimizar os seus prejuízos. Um dia antes de terminar o prazo de realojamento das 16 famílias, todas haviam recebido chaves de casa, em diferentes bairros sociais, entregues pela câmara municipal. Nesse dia, 25 de Maio, fizeram-se representar na CasaViva, no debate promovido pela Plataforma Artigo 65. Quem dos visados esteve presente mostrou-se contente. Vera Augusto garantiu: “Está tudo satisfeito com a escolha”.
Mesmo que tenha sido alcançada à custa da chantagem: só teria casa nova quem frequentasse um curso de formação e educação, que bem podia chamar-se “como aprender a viver com as regras dos outros”. Indignado com a situação mostrou-se o arquitecto Alves Costa, para quem é uma violência obrigar as pessoas a viverem como queremos, “cada comunidade tem o direito a viver como quer”, da mesma forma que “tem direito ao lugar”.

Há mais de 20 anos que aquela comunidade habitava aqueles terrenos. No entanto, só este ano os agentes autárquicos descobriram que vivia em condições insalubres, ironizou Sylvia Almeida, também arquitecta e uma das impulsionadoras no Porto da Plataforma Artigo 65. O que se sabe sobre os referidos terrenos é que eles passaram a ter uma apetência imobiliária. Apesar de serem privados, Alves Costa é de opinião que, se a comunidade gostava do lugar, devia ter reconstruído o seu bairro nesse mesmo lugar. E devia participar nas decisões sobre o assunto. Porque “não há soluções gerais, há soluções caso a caso”. “Temos de transformar esta política de habitação, ser mais exigentes”, reclamou. No final do encontro, confessou temer que esta comunidade esteja a ser destruída com um rebuçado, com a forma de casa nova.

Dois meses depois, a mesma comunidade deixou de ser notícia. Mas os problemas de habitação são notícia eterna. E o mais estranho é que há casas no Porto para alojar todos quantos não têm tecto ou vivem em condições indignas. Falta é saber quantas são. Tarefa iniciada pela Plataforma Artigo 65, com pedidos na Câmara do Porto e nas faculdades de Arquitectura e de Geografia. O único número conhecido à data é o de habitações municipais emparedadas pela própria autarquia: 400. Independentemente do levantamento a realizar, Sylvia Almeida insiste que “vai continuar tudo na mesma enquanto os próprios moradores não participarem, não perceberem que são actores políticos e reivindicarem fazer parte das decisões”. Objectivo de urgência elevada, porquanto acabar com a especulação imobiliária, principalmente a que se alimenta da perca de direitos de habitação e pertença das populações, não pode ser missão impossível.

Foi bonito, pá!

1ª MGM Porto
Ninguém pôs máscaras. Nem na praça do marquês de pombal, nem pelo Bonjardim, Sta. Catarina, Sá da Bandeira abaixo até à praça D. João I. Olhares sorridentes enfrentavam as máquinas fotográficas, agitando o corpo ao som do reggae. Nunca as ruas da cidade cheiraram tão bem como nessa tarde de 5 de Maio, primeira marcha no Porto pela legalização da marijuana. Mil aderiram, seguramente.
Os jornais registaram entre 500 e 1000 participantes: mais de mil pessoas, disse a organização; metade, contou a polícia. A marcha teve autorização do governo civil e viaturas da PSP a abrir e a fechar. A ladear, agentes de trânsito com coletes verdes. Do verde lima das bandeirinhas de papel crepe, projectadas para tapar a cara de quem se quisesse esconder.
Mas quem se quis esconder não apareceu. Perdeu a festa, havia sol, cor e alegria. Uma reivindicação: acabar com o proibicionismo da cannabis, legalizar a produção e o consumo.
Produto natural q.b., conta a História de Portugal que antes das vinhas que dão vinho do Porto, o cânhamo se dava muito bem no micro clima do Douro Superior. Hoje, há um total desprezo pelas qualidades têxteis do cânhamo. Das qualidades energéticas, poucos querem falar.
O assunto está disponível em http://www.mgmporto.org/. Os jornalistas não lhe pegaram. Registaram sobretudo o aspecto recreativo do consumo da marijuana. Uma ou outra reportagem dedicada à marcha, mas o facilitismo dominou a cobertura noticiosa do assunto. As primeiras notícias sobre as MGM Porto e Lisboa reproduziam, no essencial, o take da Lusa. À excepção, por razões opostas, de “O Primeiro de Janeiro”, que publicou uma entrevista a José Luís Fernandes, investigador mandatário da MGM, e de o “Correio da Manhã”, que acompanhou a notícia com fatídicas conclusões de “vários estudos científicos” sobre as consequências do consumo da cannabis. Que a RTP1 difundiu no “jornal das 8” no domingo seguinte à conferência de imprensa da MGM Porto, a 29 de Março. “Quantas pessoas esperam?” A pergunta dos jornalistas repetia-se na véspera da marcha. Era impossível fazer prognósticos, era a primeira vez no Porto.
A Marcha Global pela Marijuana é um encontro anual que começou em Nova Iorque, 1999. Actualmente, realiza-se em mais de 200 cidades do Mundo, no primeiro sábado de Maio. Números oficiais contabilizam 160 milhões de consumidores de cannabis sativa, ou seja, 4% da população mundial. É considerada a “droga leve” mais massificada mundialmente.
Luís Fernandes, autor do livro “O Sítio das Drogas”, alerta que, “mais do que drogas leves e duras, existem consumos leves e consumos duros”. Defende a educação para o consumo como um preventor do risco, sem negar que a cannabis tem o seu grau de perigosidade, tanto mais que é fumada enrolada com tabaco, “uma substância mais problemática do que a cannabis, já que tem mais capacidade de produzir adição”. E, contudo, legal. Sem precisar de marcha alguma.

Mais vale que arda a STCP

Grupo de Utentes Auto-mobilizados
A exemplo do que se vai agora passando no Porto com a famigerada nova rede da STCP – que desde Janeiro de 2007 suprimiu carreiras e linhas, dividiu a cidade em várias zonas, com tarifas diferentes, aumentou os transbordos, eliminou paragens, etc., etc. – tudo isto imposto de forma unilateral pelo governo e pela nova administração que ele colocou à frente da STCP, sem qualquer consulta à população local utente dos autocarros, também em Berlim Ocidental, nos anos 80, as populações desenvolveram grandes lutas para a melhoria do sistema de transportes e contra os aumentos dos bilhetes.

Nesse movimento destacou-se uma banda musical chamada Ton Steinscherber com uma canção que se tornou bastante popular chamada "Eher brennt die BVG". Lê-se "bê-fao-guê" e é a STCP lá do sítio (e... rima com STCP e tudo), e quer dizer: "mais vale que arda a BVG"...

Aproveitamos a música para juntar-lhe um texto actual em português a condizer...

"Vê! Vê! Vê!...
A nova rede STCP
Não veio p'ra melhorar a vida à gente
Mas p'ra encher a pança aos mesmos de sempre…
(estribilho... repetido)

Mudaram as carreiras e suprimiram linhas
Dividiram o Porto em mais zonas e zoninhas
Aumentam os transbordos e os preços dos bilhetes

E perante o governo fizeram brilharetes!...

E o governo em Lisboa elogia a nova rede
Que é uma teia de aranhiços para apanhar a gente
E em vez de termos mais tempo para irmos descansar
Temos é o tormento de ir de pé a chocalhar!...
E a malta diz:
(estribilho... repetido)

Mudaram os trajectos - paragens desactivadas
E querem que paguemos as novas zonas criadas
E secamos nas filas das paragens de autocarro
Ou molha-nos a chuva nos pontos desabrigados...
Os novos gestores da STCP
O melhor que fizeram - foi p'ra eles, já se vê!
Enquanto a maioria tem sempre aumentos nojentos
Eles aumentaram-se à mama de trinta e quatro por cento!
E o povo diz:
(estribilho... repetido)

Continuamos a ser transportados como porcos
Pagando mais por isso, sem nada ter melhorado
E a razão de tudo isto, rai's parta, que carago?
É que ministros e presidentes não andam de autocarro!
E é por isto que dizemos que temos que lutar

Pois já nada esperamos de promessas ou votar
Pois não são eles que vão como gado transportados
Lutemos pois unidos e auto-organizados...

...porque o povo unido não precisa de partido!...
e o povo organizado não precisa de Estado!
E a gente diz:
(estribilho... repetido)

Curtas

Direito à privacidade dos utilizadores de p2p
Boas notícias para os utilizadores europeus de redes de partilha de ficheiros que receavam que o seu fornecedor de acesso à Internet viesse algum dia a revelar os seus dados pessoais: de acordo com Juliane Kokott, uma assessora sénior do Tribunal de Justiça da União Europeia, as sociedades de gestão colectiva de direitos de autor não podem, em circunstância alguma, obrigar os ISPs a entregar essa informação.

Utilização de perfis de ADN em discussão pública
Encontra-se em fase de discussão pública um projecto governamental que estabelece os princípios de criação e manutenção de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e de investigação criminal. A identificação de desaparecidos é o único fundamento, diz a Comissão Nacional de Protecção de Dados. Atente-se: França criou a sua base de dados genéticos em 1998; em 2003, a lei Sarkozy fez incluir os crimes mais banais no elenco de crimes em que a base de dados genéticos se aplicava para identificação dos seus autores, aumentou as penas pela recusa da recolha da amostra de ADN e previu a inclusão de perfis de meros suspeitos.

Mais um passo para a concretização do sonho da grande base de todos os dados de todas as pessoas do mundo
Dentro de alguns meses, os cidadãos estrangeiros a viver em Portugal passarão a ter um cartão electrónico de identificação, a utilizar pelos serviços de Saúde, Segurança Social e Finanças. A nova Lei da Imigração abriu a porta à emissão do documento. O artigo 212 da Lei 23/2007 estabelece que o SEF pode recorrer aos meios de identificação previstos, "designadamente a obtenção de imagens faciais e impressões digitais, recorrendo, quando possível, à biometria, bem como a peritagens".

Se gostaste do Rivoli vais adorar o Pavilhão Rosa Mota
Não se sabe muito, mas o suficiente para preocupar. Sabe-se, apenas, que a Câmara do Porto vai investir 17 milhões de euros na reconversão do Pavilhão Rosa Mota em multiusos e vai ceder a exploração do equipamento a uma parceria com um privado em que fica com 20%. A cedência terá a validade de 25 anos, apesar da previsão de retorno do investimento ao fim do 16º ano. Só serão admitidas candidaturas de entidades ou de agrupamentos de empresas com “experiência de gestão de equipamentos multiusos com capacidade superior a 3.000 espectadores”, entre outras aptidões exigidas, o que leva a pensar que o vencedor já está definido e que pode muito bem ser a entidade responsável pelo estudo que dá origem à ideia: a Parque Expo.

Universidade de Coimbra desaloja Okupação
O Fungo, Centro Social Okupado Autogestionado, em Coimbra, foi fechado pela polícia no dia 11 de Julho. Contra os "supostos ocupantes" existe uma queixa da Reitoria da Universidade de Coimbra (UC). O espaço, outrora pertencente aos antigos hospitais da UC e há 10 anos abandonado, foi okupado em 29 de Abril, com o objectivo de criar um local diferente, de debate e convivência num ambiente anti-capitalista e anti-autoritário. Era um espaço sem deuses nem chefes, que se movia através da livre cooperação entre tod@s que por lá passavam. Durou dois meses.

Sopa de Letras



horizontal
afectado, ditador, fascista,
imbecil, inculto, perverso, tacanho

vertical
arrogante, autista, autoritário, chato, energúmeno, foleiro, grosseiro, mentecapto, mesquinho, prepotente

diagonal
def, rasca

A Vizinha queixou-se deste barulho.mp3







CD com o registo das bandas, cerca de meia centena, que tocaram na CasaViva entre Abril de 2006 e Julho de 2007.
Abre com o Manifesto CasaViva e termina com o Aviso Público Sugai®.
Integra a edição impressa do Pica Miolos.

Suplemento

Mini-glossário Pica-miolos
(inclui cedilha descartável)

por Cidadão Crónico

Adjudicanção — Manobra de gestão, inteligentíssima e muito aplaudida, no âmbito da reengenharia financeira. Consiste em poupar dinheiro aos contribuintes entregando um bem patrimonial valioso, que estes até já pagaram com os seus impostos e que só por acaso foi recentemente restaurado, nas mãos de um particular que o irá explorar, explorando a seu belprazer os mesmos contribuintes aquando do usufruto que estes farão (e que é um direito que lhes assiste) desse mesmo bem que lhes pertence. Durante todo o processo os gestores ainda dão música aos contribuintes. Percebeste? Então és a/o única/o. [Ver «festival da canção»]

APDL — (Acrónimo) Alguns Portuenses Determinados e Livres. [Ver «porto»]

Autarquia — Estado clínico de demência que afecta alguns doentes autistas que cronicamente sonham com a restauração da monarquia.

Autoritário — Penúltimo grau da carreira política, normalmente obtido por mérito próprio e impróprio, precedendo o supremo grau de “dita-dor”. [Ver «dita-dor»]

Baiar — O mesmo que vaiar. No entanto, baiar requer como adereço um pacote de uma famosa marca de rebuçados para, em caso de manifesta (necessidade) se poder tirar a tosse àqueles que se ponham a jeito. Se é verdade que o efeito dura pouco, não o é menos que enquanto o bastão vai e vem folgam as costas.

Boa merda — Forma buçal de cumprimento utilizada, em ambiente de camaradagem, entre os pares do porco de intervenção que vão entrar em cena numa sessão de cargas e descargas em local previamente autorizado. [Ver «ensaio geral» e «parte uma perna»]

Câmara municipal — Máquina fotográfica digital que os funcionários de um município trazem sempre consigo, de forma a poderem fotografar aqueles amigos que nunca o foram e aqueloutros que deixaram de o ser sempre que isso se torna oportuno ou necessário.

Compadres — Vendedores comissionistas que reúnem entre si às escondidas para analisar os resultados obtidos com os negócios que irão consumar no futuro. [Ver «compadrio»]

Compadrio — Rede de vendas por catálogo, originariamente lançada por uma empresa sedeada em Palermo, na pérola mediterrânica Sicília, mas que rapidamente se disseminou e é hoje alvo de contrafacção nas sete partidas do Mundo. [Ver «compadres»]

Concurso público — Os bastidores de um concurso público. [Ver «concurso público» e «panelas»]

Concurso público — Concurso que dispensa aprovação prévia do governador civil e que foi planeado de antemão, por forma a ser ganho pela/o concorrente que obtiver a melhor pontuação no concurso privado dos bastidores. [Ver «concurso púbico» e «panelas»]

Dita-dor — Último grau da carreira política, cuja máxima normativa é “doa a quem doer”.

Ensaio geral — Sessão policial de cargas e descargas onde, de forma genuinamente democrática e gratuita, é distribuída porrada indiscriminadamente aos manifestantes civis que aparentem necessitar desse mal de primeira necessidade. Normalmente, a pedido dos encenadores, é utilizado sangue verdadeiro. [Ver «boa merda» e «parte uma perna»]

Estreia — Sessão pública para engraxar os sapatos a todos aqueles que contribuíram para o planeamento e concepção da loja do sapateiro. Normalmente, todos querem brilhar ao exibir os belos chispes na passadeira vermelha. [Ver «passadeira vermelha»]

Festival da canção — Certame musical que os Portugueses perdem sempre e que normalmente é ganho pelos artistas que cantam pior e estão mais maquilhados. Trata-se de uma competição cuja vitória depende exclusivamente da performance nos camarins. [Ver «adjudicanção»]

Filipe — Nome próprio com origem no Grego, derivado de FILOS+HIPO, ou seja, «amigo de cavalos». E, como é sabido, ‘a cavalo dado não se olha o dente’… É montar vilanagem!

Influência — Vírus galopante que se aloja nos aparelhos de ar condicionado dos gabinetes políticos e que, propagando por via aérea, passa de garganta em garganta, de gabinete em gabinete! A vacina legal é ineficaz.

Jesus Cristo Superstar — Jovem esbelto e honrado que há um par de milénios, após ter sido agraciado com uma veemente carga e descarga policial, foi transformado em ícone comercial. Vagueia, desde então, de palco em palco a vender o seu peixe, mas as más-línguas apregoam que se recusa a ensinar seja quem for a pescar. [Ver «quisto superstar»]

La (Férias) — Cidade no Litoral Oeste dos Estados Unidos que é muito visitada por turistas e curiosos de féria, atraídos pelos festivais folclóricos e muito coloridos que nele decorrem.

Negociata — Pequena opereta, normalmente muito bem ensaiada, que estranhamente nunca chega a ser apresentada a público, cingindo-se à cena privada. Allegro ma non troppo, a obra mais famosa deste género obscuro é La Extraviata.

Panelas — Utensílios geralmente utilizados para confeccionar alimentos da cozinha para o polvo, ou seja, cozinhar um concurso público nos bastidores. [Ver «concurso púbico» e «concurso público»]

Parte uma perna — Forma inocente de encorajamento dirigida pelos superiores hierárquicos aos agentes policiais subordinados quando se aproxima a entrada em palco para um ensaio geral. [Ver «boa merda» e «ensaio geral»]

Parvónia — Local mítico e desconhecido que se situa em toda a parte e em lugar nenhum e conta com uma população altamente itinerante e indefinível. O seu presidente da câmara é também flutuante. E os seus habitantes nunca são poupados aquando das sondagens eleitorais.

Passadeira vermelha — O ópio do polvo. E do povo também. [Ver «estreia»]

Passa por mim no rosso — Antiga campanha publicitária para promover a bebida alcoólica “martini”, a preferida pelas plateias em ocasiões que exigem que se beba para esquecer.

Porto — Local onde, ultimamente, têm sido desembarcadas mercadorias estranhas e alguns contrabandistas de estupidez. A APDL está, todavia, vigilante. [Ver «APDL»]

Quisto Superstar — Jovem inconsequente que recebeu uma carga e descarga policial por se ter deixado involuntariamente engajar para a plateia de um ensaio geral. [Ver «ensaio geral» e «jesus cristo superstar»]

Revista — Género teatral inventado em Lisboa, aos primeiros estrépitos do terramoto de 1755, por um velhinho tendencialmente claustrofóbico que, vítima de um súbito e violento ataque de diarreia, se encontrava então na casa de banho de um teatro onde o último utente não deixara sequer uma migalha de papel higiénico.

Rio1. Curso de água profundo e repleto de remoinhos e correntes fortes onde deviam terminar algumas carreiras políticas; 2. Local de onde não consta que o saudoso Duque da Ribeira tenha alguma vez salvado políticos, nem tão-pouco resgatado o cadáver de tais criaturas, razão pela qual é um personagem que merece todo o apreço e carinho da Cidade Invicta e dos seus habitantes.

Rivoliteama — Próxima sala para celebrações profusamente litúrgicas a ser adquirida no Porto, após um previsível período de esgotamento e depressão, pela igreja universal do reino de deus (iurdinária, para os amigos).

Rui1. Som que os Polacos emitem quando martelam um dedo; 2. Local para onde os Polacos mandam o melhor amigo quando encontram o mesmo na cama com a sua mulher; 3. Parte do corpo humano masculino que, segundo os Polacos, equivale ao Pica-miolos, mas com a cedilha em vez dos miolos.

Sem-vergonha — Político com cara-de-cu, mas que nem por isso se coíbe de falar em público e dizer a merda toda que lhe vêm à cabeça. [Ver «vergonha»]

Teatro — Qualquer actividade que possa ter lugar sobre um palco, desde que não cheire insuportavelmente mal (definição regionalista).

Verdadeiro artista, O — Desempregado, emigrante (definição regionalista).

Vergonha — Fugiu da casa de seu pai. Vestia na altura fato e gravata e aparentava ser empresária de casa de alterne. Sofre de perturbações mentais e alucinações. Pede-se a quem a encontrar o favor de lhe pagar uma garrafa de champanhe. Sim, pode ser rasca. [Ver «sem-vergonha»]