O PORQUÊ DO PICA MIOLOS

Mais do que um espaço, a CasaViva é um meio de provocação. Nunca foi um projecto meramente artístico
ou cultural. Muito menos uma ideia comercial ou pretensão de figurar no mapa da noite portuense.

A CasaViva é um esforço de cidadania, um espaço de activismo, com aspirações a anfetamina que combata a letargia
e a incapacidade de indignação. Para contrariar essa instituída forma de pensar, ser e conformadamente estar e viver.

Se o espaço é temporário, o projecto não quer ser efémero. Nasce, assim, o "Pica Miolos", folha de opiniões
numa resenha de notícias que nos foram chegando e tocando mais profunda ou especialmente.

Seguirá um critério necessariamente tendencioso, como todos os critérios editoriais
de todos os media que se dizem imparciais. Objectivo: picar miolos.

E assim participar na revolução das mentalidades desta sociedade acrítica
e bem comportada e demonstrar de que lado do activismo a CasaViva vive e resiste.

sábado, 8 de novembro de 2008

Vem aí a terceira edição do copyriot

Se a natureza produziu algo menos susceptível de ser possuído exclusivamente por um indivíduo esse é o acto de pensar a que chamamos ideia. A única forma que esse indivíduo terá para a manter é a de não a divulgar, pois a partir desse momento ela passará a ser de todo o mundo e quem a ouviu nunca mais se conseguirá desembaraçar dela. O carácter peculiar desta transacção é o de que ninguém fica mais pobre, pois todos continuam a possuir a ideia integralmente. Como quando acendemos uma vela em outra sem que a primeira seja apagada.

Ben Franklin


Numa sociedade profundamente industrializada, que confunde trabalho com produtividade, a necessidade de produzir sempre foi antagónica do desejo de criar.

Raoul Vaneigem


A questão da propriedade intelectual, ou dos direitos de autor se preferirem, aparece sempre intimamente ligada à da propriedade privada, ou assim nos pretendem fazer crer. Quando a pomos em causa, somos invariavelmente confrontados com acusações de roubo do produto do trabalho de determinado indivíduo criador e logo de seguida, com a problemática da sobrevivência desse mesmo indivíduo criador pelo facto de este, sem as leis de propriedade intelectual, supostamente não conseguir receber uma justa remuneração pelo seu trabalho.

Antes de mais, vamos deixar bem explícito que o esforço criativo ocorre, e na maioria das vezes sem uma motivação económica. Dito isto, esse esforço criativo pode produzir duas coisas bem diferentes: uma ideia, e aquilo que passarei a chamar de materialização de uma ideia, ou uma obra. Quanto à ideia, parece-me fácil de entender que, enquanto entidade abstracta, ela não poderá possuir valor algum. Esta conclusão deriva do facto de, por exemplo, não se poder falar propriamente de escassez neste domínio. Uma ideia pode ser transferida para um ou mais indivíduos sem que o seu valor seja diminuído ou se esgote. Já a materialização de uma ideia será sempre susceptível de possuir um determinado valor para quem a produziu, e não se trata aqui de retirar qualquer direito de uso ou de troca desse produto ao respectivo autor. Reparem que também não está aqui em causa a legitimidade de um autor para assinar a sua obra ou reclamar a sua paternidade. Do que falamos é da reprodução, cópia ou alteração dessa obra, em suma da sua reutilização, por quem quer que a isso se dedique, sem que para isso tenha que pagar o que quer que seja.

Nesse sentido, a questão da sobrevivência desse indivíduo criador enquanto tal é uma falsa questão, pois que ela dependa destas leis é uma pretensão que recusamos liminarmente e que consideramos ser uma mentira descarada. Actualmente, a sobrevivência é utilizada como uma espada de Damócles, agitada sobre as nossas cabeças em todos os instantes de todos os dias, para justificar uma qualquer hierarquização da sociedade ou, no caso em concreto, um sistema económico baseado na exploração e reificação do Homem. Mas, para além disso, facilmente se verifica que no caso de desaparecimento das leis de propriedade intelectual as vantagens para os criadores ultrapassariam largamente os problemas que daí adviriam.

Tomemos por exemplo o domínio musical, onde o progresso tecnológico reduziu exponencialmente o custo de produção de uma obra tornando qualquer miúdo, armado com um computador pessoal e software adequado, numa estrela do rock em potência, e com uma liberdade e independência das editoras (os tradicionais detentores dos meios de produção) sem precedentes na história da música moderna. Porque não pode este pequeno Mozart utilizar as músicas maravilhosas do passado para criar novas músicas? Se responderam por causa dos direitos de autor, acertaram.

Ou seja, não são apenas os criadores que sofrem com estas leis, toda a Humanidade é refém desta lógica demente que impede, por razões puramente monopolistas e legalistas, o desenvolvimento e a inovação de determinados domínios, artísticos e não só.

O que nos traz ao real significado das leis de propriedade intelectual e a quem, de facto, elas beneficiam. Elas não têm nada a ver com a defesa do direito aos frutos do próprio trabalho, não têm a ver com incentivos à criação, inovação e desenvolvimento de ideias, elas têm a ver com o "direito" à protecção de uma forma estabelecida de fazer negócio.

Na verdade, criou-se na generalidade da população a noção de que se uma pessoa ou empresa lucrou durante alguns anos com determinado monopólio, é obrigação do governo e da sociedade garantir esses lucros no futuro, mesmo em face de circunstâncias completamente diferentes e, inclusivamente, se tal for contrário ao interesse geral.

Assistimos assim, por parte das editoras musicais e seus lacaios, à instauração de processos em tribunal a indivíduos cujo único crime foi a partilha de conhecimento e cultura, e imaginamos ao longe a profusão de ideias e obras que inundaria o mundo caso este procedimento não fosse possível. Somos da opinião de que ninguém, indivíduo ou empresa, tem o direito de se dirigir aos tribunais e exigir que se pare o relógio da História.

Por tudo isto e muito mais, vem aí a terceira edição do Copyriot.

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